Um filme do Stallone cabe bem em todas as sessões da página...
Poderia ser no UNIVERSO INTERESSANTE, porque afinal, como explicar a longevidade de Stallone no cinema?
Poderia ser no WHATTA FUCK, por razões óbvias...
Poderia ser no MOMENTO CRÍTICO...
enfim,
coloquei aqui por um motivo. Era jovem na época do filme, assisti estes clássicos oitentistas todos, e ao assistir de novo nos anos 2000, e ter a sensação de que gostei de um filme ridículo, coloquei no FILMES PARA DOIDOS.
FICHA TÉCNICA
Stallone Cobra (1986, EUA)
Direção: George Pan Cosmatos
Elenco: Sylvester Stallone, Brigitte Nielsen,
Reni Santoni, Andrew Robinson, Brian Thompson,
Art LaFleur e John Herzfeld.
VAMOS LÁ...
"Com louco eu não negocio, eu mato!"
"A culpa é do juiz. A gente prende e o juiz solta."
"Você é a doença. Eu sou a cura".
"Aqui a lei termina... e eu começo!".
São frases de efeito como essas que o policial Cobra, interpretado com olhar de peixe morto por um Sylvester Stallone no auge da fama, sussurra antes de crivar bandidos de balas em STALLONE COBRA, um daqueles clássicos do cinema de ação apelativo dos anos 80 que todo mundo viu, e se não viu deveria correr atrás imediatamente.
Até porque, de tão exageradas e amorais, estas obras acabaram se transformando não só em clássicos do politicamente incorreto, mas em verdadeiras comédias involuntárias.
Pois STALLONE COBRA é a essência do cinema descerebrado e casca-grossa da década de 80, e talvez um dos melhores representantes da estupidez daquela Era Reagan. Uma sessão dupla inesquecível seria vê-lo junto com "Comando para Matar", do Schwarzenegger, ou "Desejo de Matar 3", de Michael Winner.
Na época do seu lançamento (1986), o filme provocou bastante polêmica pela extrema violência. Muita gente nem lembra, mas quando ele chegou aos cinemas brasileiros, entre 86 e 87, foi retalhado pela censura e proibido para menores de 18 anos.
Hoje, é fácil entender que a polêmica em torno do filme lá em 1986 não era tanto pelas cenas de violência (bastante comuns), mas sim pela visão distorcida do papel do policial ao fazer justiça com as próprias mãos. Afinal, o tal Cobra, que devia ser o herói, muitas vezes se assemelha aos bandidos, atirando em adversários desarmados, comprando briga por bobagem e até matando sadicamente os vilões com um sorrisinho cínico no rosto.
Para dar uma idéia da amoralidade da coisa toda, numa cena Cobra incendeia um criminoso vivo enquanto diz "Você tem o direito de permanecer calado...", e fica assistindo o infeliz se debater em chamas, ao invés de pelo menos poupar-lhe do sofrimento com um tiro de misericórdia.
Em outra, um repórter pergunta ao policial, após a ação onde um criminoso foi múltiplas vezes baleado, se era mesmo necessário acabar daquele jeito, com o bandido morto. "Não houve excesso de força?", questiona o jornalista. Cobra, pouco ligando para a liberdade de imprensa, pega o sujeito pelo colarinho, enfia a fuça dele na maca onde está deitado um refém morto pelo bandido e diz: "Pergunta isso pra família dele!".
Essa visão exagerada do papel do policial não era exatamente uma novidade na época. Afinal, 15 anos antes, "Perseguidor Implacável", com Clint Eastwood, já havia causado bastante polêmica exatamente por trazer um policial vingador que preferia executar os bandidos a prendê-los - o clássico Dirty Harry, grande inspiração para o truculento Cobra. Mas para um Brasil ainda em lento processo de abertura, e traumatizado por uma igualmente truculenta Ditadura Militar, as ações do "herói" Stallone pareciam soar excessivamente fascistas.
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Eu tenho esta... |
(Por sinal, muitos críticos juravam que STALLONE COBRA era um remake de "Perseguidor Implacável", não apenas pela trama parecida do policial durão enfrentando psicopatas, mas também pela presença de dois atores do filme de 1971, Andrew Robinson e Reni Santoni. O primeiro fez o psicopata caçado por Clint Eastwood, e aqui, ironicamente, é um policial revoltado com os métodos violentos de Cobra. Já Santoni repete o papel de parceiro do herói, e seu personagem tem o mesmo nome, Gonzales, o que deve ter contribuído para que muitos pensassem na hipótese de refilmagem.)
E já que estamos falando de polêmicos policiais vingadores, é bom lembrar que mais recentemente, aqui mesmo no Brasil, o Capitão Nascimento de "Tropa de Elite" gerou acalorados debates sobre violência policial - e até sobre fascismo! Talvez todo mundo devesse relaxar um pouquinho e curtir estes filmes pelo que eles realmente são: histórias de FICÇÃO.
O próprio STALLONE COBRA é tão tosco, caricatural e exagerado, com um roteiro ridículo e preguiçoso (os personagens quase nem têm nomes), que não pode em momento algum ser levado a sério. O próprio Stallone - além de astro, roteirista - declarou que o filme tinha o clima de uma história em quadrinhos.
Então, relaxem e gozem, já diria certa política brasileira. Até porque STALLONE COBRA é realmente muito divertido e muito engraçado, com ações e frases prontas do Cobra que espantam qualquer mau humor - e o "padrão de qualidade" dos produtores Golam & Globus, da saudosa Cannon Pictures, aqui provavelmente em seu filme de maior destaque.
O curioso é que a gênese de STALLONE COBRA é "Um Tira da Pesada", de 1984, o filme que transformou Eddie Murphy em astro. Acontece que Stallone era o nome originalmente cotado para o papel, quando o projeto ainda era para uma história policial séria. Só que o astro exigiu várias modificações no roteiro que os produtores de "Um Tira da Pesada" não poderiam pagar. Resultado: ele pulou fora do projeto e usou essas suas idéias mirabolantes no roteiro de STALLONE COBRA.
Uma prova de que o filme não deve ser levado a sério em momento algum, e sim curtido como uma inconsequente história em quadrinhos, é o seu próprio personagem principal. Stallone faz de tudo para mostrar o policial Marion Cobretti (verdadeiro nome do Cobra) como o mais durão dos durões, o mais fodão dos seres humanos.
Cobra não é uma pessoa normal, mas uma máquina de matar. Anda sempre com luvas de couro negras, os óculos escuros espelhados de motorista de ônibus e o palitinho de fósforo super fashion no canto da boca. Quase nunca abre a boca, e quando fala é para ameaçar ou xingar algum bandido. E em todas as cenas em que aparece "fora do trabalho", ele não aparenta ter qualquer vida pessoal: está ou treinando tiro, ou limpando sua pistola enquanto come pizza cortando as fatias com uma tesoura!
Ou seja: Cobra vive e respira violência, e quer encrenca 24 horas por dia. Como na cena em que vai estacionar seu carro em frente de casa e teima em colocá-lo numa vaga onde o veículo não cabe, batendo na traseira do carro da frente e empurrando-o até o seu caber. Os donos do carro, latinos, saem furiosos querendo tirar satisfação - e com razão! Cobra dá uma olhada para o cigarro na boca de um deles e diz: "Isso faz mal, sabia?". O cara responde: "O quê, o cigarro?". E o Cobra: "Não, eu!". Ele então arranca o cigarro da boca do homem e rasga infantilmente a sua camisa, só para provocar, antes de sair bufando! Dá pra argumentar com um "herói" desses?
STALLONE COBRA já começa sem meias-medidas, com o close de uma pistola sendo apontada para a câmera (e diretamente para a fuça do espectador) e disparando; a bala sai em direção ao "alvo", num efeito que ficaria interessantíssimo em 3-D. Isso já dá uma idéia do que vem pela frente, considerando que a primeira cena do filme é, literalmente, um tiro na cara do espectador!!!
Em seguida, um maluco sitia um supermercado, onde faz vários reféns. A polícia cerca o local com mais de 30 homens armados até os dentes, mas o inspetor diz apenas: "Chame o Cobra". Cobretti chega, entra no local, fala meia dúzia de frases de efeitos e simplesmente pipoca o bandido de tiros. Quer dizer, nenhum outro dos 30 policiais armados até os dentes podia fazer a mesma coisa?
Esta cena inicial traz um dos diálogos traduzidos mais antológicos da história da dublagem brasileira. Quem viveu a época de gravar filmes da televisão certamente lembra que a dublagem costumava alterava o sentido original dos diálogos, para eliminar expressões muito pesadas, palavrões ou referências positivas a drogas.
Pois eis que, na versão dublada do filme, Cobra fala o seguinte para o bandido antes de enchê-lo de chumbo: "Cretino! Você adora dar tiro. Eu odeio gente assim. Você é um imaturo. Você é um... cocô! (assim mesmo, com pausa reflexiva) E eu vou matar você!".
Na versão original, o diálogo tem bem pouco a ver com a dublagem brazuca: "Hey dirtbag, you're a lousy shot. I don't like lousy shots. You wasted a kid... for nothing. Now I think it's time to waste you!". Sacou? "You waste a kid" virou "Você é um imaturo"!!! Mesmo assim, a dublagem neste caso é tão hilária (porra, que tipo de herói xinga um bandido com "Você é um... cocô!"????) que ver a versão dublada de STALLONE COBRA é garantia de gargalhadas em dobro.
Mas enfim: depois desta bela introdução, descobrimos que um grupo de assassinos está atacando a cidade e esganando gente inocente. Dezesseis pessoas já foram mortas, e a contagem vai aumentando simplesmente porque a polícia não quer Cobra e seus métodos pouco ortodoxos no caso.
O principal assassino da quadrilha é o "Caçador Noturno", interpretado pelo fortão Brian Thompson com uma cara de psicopata de dar medo - ele tem uns seis ou sete diálogos o filme INTEIRO!
Os malucos matam pessoas esperando criar um "Mundo Novo", mas isso nunca fica explicado. Nas únicas cenas em que vemos os psicopatas reunidos, eles estão realizando uma bizarra cerimônia onde ficam batendo machados ritmadamente. Talvez o "Mundo Novo" seja isso: matar toda a humanidade para que possam bater seus machados em paz!
(Engraçadíssimo é constatar que, nesta cena, no meio de um monte de malucos com roupa de couro e de motoqueiro, aparece um sujeito de terno e gravata batendo animadamente os seus machados! PQP????)
Ah sim, o grupo de psicóticos também inclui uma policial feiosa, chamada Stalk que está infiltrada na polícia justamente para limpar a barra dos amiguinhos. Ela passa o filme todo dando bandeira, acompanhando os matadores nos seus crimes, mas mesmo assim ninguém desconfia dela!
Certo dia, a modelo Ingrid (a linda Brigitte Nielsen) testemunha um dos assassinatos e passa a ser perseguida pelo grupo de malucos, que têm medo de que ela possa reconhecê-los. Aham, tudo bem, eles dão bandeira o filme inteiro e depois ficam com medo de uma provável testemunha!
Claro, Cobra e seu parceiro engraçadinho Gonzales são designados para protegê-la. Ainda que a moça não tenha condições reais de identificar nenhum dos vilões, os assassinos passam todo o resto do filme se expondo publicamente, tentando a todo custo matá-la.
O final é algo bizarro: Cobra, Ingrid e Gonzales fogem para o interior seguidos por um batalhão de malucos em motocicletas, mascarados e com rifles e metralhadoras nas costas - e ninguém suspeita daquilo e chama a polícia!
Pior: o Caçador Noturno arma toda essa guerrilha para silenciar a testemunha que poderia identificá-lo, sem perceber que desse jeito revelou-se muito mais do que se simplesmente deixasse a moça fugir!!!
Como dá para perceber, a maior parte de STALLONE COBRA é uma bobagem - pura, simples e hilária. Entre as muitas cenas sem pé nem cabeça, é impossível não citar aquela em que o Caçador Noturno entra disfarçado (mas qualquer um vê que o cara é um bandido pela cara de psicopata) no hospital onde Ingrid está. Pois o vilão perde tempo matando praticamente todo mundo por ali (enfermeiras, o cara da faxina, outros pacientes...), MENOS a garota. Que, claro, é salva na hora H por Cobra.
Mas convenhamos: quem em sã consciência vai assistir um filme como STALLONE COBRA, que no cartaz traz Stallone com óculos espelhado e uma metralhadora gigante, esperando ver um "Cidadão Kane", e não um "Cidadão Cobra"?
Assim, o filme é perfeito naquilo que se propõe: as cenas de ação são muito bem realizadas e a contagem de cadáveres, generosa (52 pessoas, segundo o IMDB, sendo que Schwarzenegger matou, sozinho, 81 em "Comando para Matar", lançado no ano anterior).
A melhor cena do filme, e que fica ainda melhor nestes tempos de edição videoclipeira, mostra uma perseguição automobilística em alta velocidade pelas ruas de Los Angeles. Cobra, pilotando um carrão anos 50 turbinado com nitro, foge de dois veículos repletos de caras armados. Em determinado momento, o herói fecha um cavalinho-de-pau no meio da estrada e, dirigindo de ré, sem perder a pose, metralha o carro que vem atrás, explodindo-o, só para então dar novo cavalinho-de-pau e voltar à posição normal!
No final, quando Cobra enfrenta sozinho o exército de assassinos e o próprio Caçador Noturno, ele o faz munido de metralhadoras e granadas dignas de um pequeno exército. Você pode questionar como é que um policial tem arsenal de guerra à disposição para uma emergência como essa, mas é melhor deixar pra lá.
Dentro de uma siderúrgica, no auge da sua maluquice, o Caçador Noturno comete o erro de ameaçar o herói: "Me leva preso, seu porco!". Mas é claro que Cobra prefere assumir o papel de juiz e executor, e enfia o psicopata num enorme gancho metálico, que leva o pobre coitado direto para uma morte lenta e horrível dentro de uma fornalha. The End.
O tempo transformou STALLONE COBRA numa divertida comédia, mas não dá para desmerecer o trabalho do (falecido) diretor George Pan Cosmatos. Ele usa e abusa de praticamente todos os recursos à sua disposição para deixar o filme mais "bonito", de filtros coloridos a câmera lenta, de lente grande angular a olho-de-peixe, e por aí vai. Podem reclamar o quanto quiserem do filme, mas ele é inegavelmente bem filmado e bem editado. Claro, no tocante ao roteiro e às interpretações, a história é diferente...
O roteiro infantil de Stallone não se preocupa em momento algum com a lógica. Até porque Cobra poderia resolver o caso todo aos 20 minutos de filme, quando alguns capangas do vilão vão tentar pegá-lo em sua casa.
Claro, ele prefere matar os sujeitos (mesmo desarmados) a prendê-los e interrogá-los, mas a identificação dos cadáveres daria no mínimo algumas pistas sobre os outros membros da quadrilha. Só que isso seria algo inteligente demais no universo de HQ de STALLONE COBRA.
Quando não está matando gente, o herói fica falando bobagens que, pelo menos na cabeça de Stallone, seriam uma forma de transformá-lo num sujeito legal. Tenta, por exemplo, incentivar o parceiro viciado em fast food a comer comida saudável. "Vai, come uma fruta, uma uva-passa, uma ameixa. Isso faz bem pra você", diz. Obviamente, soa artificial. Assim como o romance de Cobretti com Ingrid.
E é o cúmulo do hilário ver herói e mocinha sozinhos num quarto de motel: a bela Ingrid desamparada deitada na cama, esperando pelo seu herói... mas este prefere ficar sentado num canto limpando sua metralhadora!!! É difícil, hoje, imaginar que um filme bobo como STALLONE COBRA possa ter gerado tanta polêmica na época do seu lançamento. Ainda bem que o tempo faz justiça a certas obras: Stallone dizia que seu filme não devia ser levado a sério, e hoje são poucos que o fazem.
Ironicamente, STALLONE COBRA agora pode ser visto como uma sátira do próprio cinema de ação daquela época, e neste aspecto é até mais engraçado que "Chumbo Grosso", comédia (assumida) dirigida recentemente por Edgar Wright.
PS 1: Stallone apaixonou-se pela atriz Brigitte Nielsen, uma promessa de estrelinha da época que acabou não dando certo. Ela também apareceu em "Rocky 4", dirigido por Stallone, na época em que os dois namoravam. Depois, o astro descobriu que era traído: Brigitte saía com sua própria secretária!!! Pode? Nessa, pelo menos, o Cobretti se deu mal...
PS 2: STALLONE COBRA foi considerado um fracasso de bilheteria na sua época, mas ficou tão imortalizado na cultura pop que gerou jogos de videogame e até dois gibis não-autorizados, um na Hungria (!!!) e outro no Brasil!
E tem uma coisa engraçada: a Ocean, programadora do jogo, fez tudo na corrida para que o lançamento do game correspondesse com a estréia do filme nos cinemas. Por causa da pressa, esqueceram de programar O FINAL DO JOGO! Assim, durante a batalha final do Cobra com o Caçador Noturno, o último chefe simplesmente NÃO MORRIA, e o pobre jogador era obrigado a desligar o videogame quando cansasse de dar porradas inutilmente no sujeito!
PS 3: O IMDB informa que o mito Ron Jeremy foi extra no filme. Alguém conseguiu identificar um gordinho, baixinho, bigodudo de pau grande no meio dos tiroteios?
Na adolescência idolatrava esse filme e como a maioria da minha geração,(hoje tenho 42 anos)gravei o filme em vhs e reassisti até a exaustão.Alguns anos atrás resolvi comprar o DVD para ver se a "magia" continuava e aí foi que percebi a tosqueira que sempre foi essa obra.A falta de quimica entre o Stallone e a Nielsen é berrante entre os muitos detalhes tão brilhantemente destrinchados pelo autor do texto.Mesmo assim é tido por muitos como uma pérola do cinema oitentista.Fico imaginando como será daqui uns 15 anos a reação dos fãs do Crepúsculo quando reverem aquelas bombas.
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