Não sei ao certo o limite entre um filme ruim e um filme fraco. Difícil definir, e já explico porque. Eu assisti "todo mundo em pânico 5" e achei fraco, não rí uma ínica vez. Tempos depois assisti "Star wars turco" que é um filme completamente tosco e ridículo, e eu nunca rí tanto na minha vida. Ou seja, um filme ruim atingiu involuntariamente o objetivo de um filme fraco. Dái a pergunta, qual filme eu assistiria de novo: o ruim ou o fraco?
Da resposta, meio sem sentido, nasceu o "Filmes para doidos"
Obs...: a resposta é o filme ruim é claro.
Vamos ao filme de hoje
DIA D / COMANDO PARA MATAR RUSSO
Den' D/ D-Day (2008, Rússia)
Direção: Mikhail Porechenkov
Elenco: Porechenkov, Aleksandra Ursuliak,
Varvara Porechenkova, Bob Schrijber,
Sergei Sosnovsky e Mikhail Trukhin.
Saudade daquelas divertidas e impagáveis picaretagens feitas na Turquia e na Itália dos anos 70-80, que refilmavam sem cerimônia (e sem pagamento de direitos autorais, lógico) obras de sucesso produzidos nos Estados Unidos, transformando-se em pérolas como "Seytan" (versão turca de "O Exorcista") e "Robowar" (versão italiana de "O Predador")? Pois pode parar de se lamentar e vá correndo baixar uma obscura aventura russa chamada DEN' D ("Dia D", em português). Até porque dificilmente ela será lançada comercialmente fora da Rússia. Isso porque, amiguinhos, este filme é um remake cena a cena, mas "não-oficial", do clássico "Comando para Matar", aquele petardo dirigido por Mark L. Lester em 1985, e estrelado por um Arnold Schwarzenegger no auge da truculência, da canastrice e do sotaque ruim.
Se você nunca viu "Comando para Matar" (duvido que tal pessoa exista...), vá correndo para a locadora. Ele não é somente uma das mais perfeitas amostras de como eram exageradas e absurdas as aventuras dos anos 80, mas também um filme de ação no limite do exploitation, com todo tipo de cena de violência explícita, uma quantidade gigantesca de mortes (só o herói mata 81 pessoas, segundo o IMDB) e todo tipo de cena impossível de engolir, inclusive Schwarzenneger saltando de um avião em plena decolagem - e saindo da façanha sem qualquer arranhão, claro...
Já o objetivo de DEN' D foge à minha compreensão. Talvez "Comando para Matar" esteja proibido na Rússia desde o ano de seu lançamento, pois sinceramente não vejo outra explicação para os caras refazerem um filme popular como este nos seus mínimos detalhes, apenas trocando o nome dos personagens e, bem, mudando a ambientação dos EUA para a Rússia. E sem dar qualquer créditos aos realizadores do original de 1985, o que ultrapassa todos os limites da sem-vergonhice.
DEN' D é tão idêntico a "Comando para Matar", inclusive nos ângulos de câmera, que a comparação das imagens entre os dois filmes se transforma num verdadeiro jogo dos sete erros, como o prezado leitor pode conferir nas fotos que ilustram esta humilde resenha. E se você duvida que dois filmes completamente diferentes, e produzidos em lugares tão diferentes, possam ser iguaizinhos, saiba que ambos começam do mesmo jeito: os vilões, disfarçados de trabalhadores em um caminhão (de lixo no original, de coleta de esgoto nesta versão russa), metralham um ex-soldado que vivia escondido sob identidade civil.
Outras mortes acontecem antes dos créditos iniciais, que trazem uma montagem piegas (como acontecia também no filme de 1985) de cenas do herói com sua filha pequena. Enquanto no filme americano Schwarzenegger interpretava um soldado chamado John Matrix, porque John é um nome comum nos EUA, e tinha uma filha chamada Jenny (Alyssa Milano), na versão russa temos um herói chamado Ivan, que é o nome comum da Rússia, e interpretado pelo Schwarzenegger genérico Mikhail Porechenkov (também diretor!!!). Já sua filha chama-se "Zhenya" (cuja pronúncia é bastante parecida com "Jenny"), interpretada por Varvara Porechenkova.
Como Schwarzenegger, Ivan mora numa casa isolada nas montanhas, onde recebe a visita do seu antigo superior, o comandante Filippov (Sergei Sosnovsky, no papel que foi de James Olson em 1985).
Ele alerta o herói sobre o assassinato de toda a sua antiga unidade, e deixa dois dos seus melhores soldados para defender Ivan e Zhenya de um possível ataque dos mesmos assassinos. Mas os inimigos logo atacam, matando os "guarda-costas" e seqüestrando a menina. (Até a cena do "Você vai ter que cooperar, certo?" - "Errado!" foi copiada integralmente!)
Se em "Comando para Matar" o herói saía no encalço dos vilões em fuga usando um carro em ponto-morto, aqui Ivan mostra que é muito mais criativo e usa um "snowmobile" para perseguir seus inimigos em plena estrada de chão batido. Mas ele logo é preso e levado à presença do grande vilão, que obriga o herói a matar o presidente da Rússia, ameaçando a vida da sua filha feita como refém. No original, Dan Hedaya era o ditador que obrigava Schwarzenegger a matar o presidente de uma república sul-americana fictícia, chamada Valverde.
Mas é claro que, como John Matrix, Ivan não tem qualquer intenção de seguir o plano dos malfeitores. Ainda seguindo as cenas de "Comando para Matar" nos mínimos detalhes, o herói é levado ao aeroporto por Stasik (Mikhail Trukhin, refazendo o Sully interpretado por David Patrick Kelly no original).
Dentro do avião, ele quebra o pescoço do bandido que o escoltava e foge da aeronave em decolagem - desta vez de maneira bem menos absurda, roubando o pára-quedas de uma equipe de paraquedistas que convenientemente estava no mesmo vôo! A partir de então, a narrativa segue idêntica ao filme de Mark L. Lester, com Ivan conhecendo uma aeromoça, Aliya (Aleksandra Ursuliak, bem mais gostosa que a Rae Dawn Chong do original), e forçando a moça a ajudá-lo na caçada aos bandidos. No final, carregado de armas, Ivan invade a ilha onde fica o quartel-general dos inimigos, promovendo um massacre tão numeroso quanto o do filme de 1985, embora sem cenas clássicas como a da cabana de jardinagem...
DEN' D é uma coisa simplesmente inacreditável: o diretor e astro Porechenkov refaz as cenas inteirinhas sem o menos constrangimento, e, embora tente mudar algumas das piadinhas do original (ao invés de "Gostei de você, por isso vou matá-lo por último", por exemplo, temos "Você é divertido, por isso vou matá-lo de uma forma divertida"), não dá para esconder o fato de que estamos diante do MESMÍSSIMO filme estrelado por Schwarzenegger, e que já faz parte da cultura pop.
A narrativa é tão igual que você pode assistir o filme sem legendas, mesmo que não entenda bulhufas de russo, pois já sabe tudo o que vai acontecer.
Porechenkov nem se preocupa em mudar algumas coisas para escapar de um possível processo por plágio. Pelo contrário, ele parece orgulhoso de seguir o original como se fosse um storyboard. Pode comparar as imagens dos dois filmes para ver que está tudo igual, do vilão empalado no pé de mesa à cena do duelo de facas entre Ivan e seu grande inimigo, Gelda (Bob Schrijber, refazendo o Bennett interpretado por Vernon Wells no original). Por isso, chega a ser irônico ver o nome de dois (isso mesmo, dois!!!) roteiristas, Oleg Presnyakov e Vladimir Presnyakov, nos créditos iniciais, mas nenhuma menção a Steven E. de Souza, que escreveu o roteiro de "Comando para Matar" completamente plagiado nesta versão russa.
As poucas alterações que DEN' D introduz são para pior, como o fato de Zhenya ser uma cinéfila que cita Tarkovsky (famoso cineasta russo), Tarantino e Takeshi Kitano, ou a ausência da famosa cena em que Schwarzenegger "fazia compras" numa loja de armas e era preso pela polícia - aqui ele simplesmente rouba o armamento que os próprios vilões escondiam em blocos de gelo.
Outra mudança para pior é o senso de humor esquisito do filme russo. Enquanto "Comando para Matar" era involuntariamente engraçado graças às suas frases de efeito ("Libere um pouco dessa pressão, Bennett!") e aos defeitos especiais (soldados inimigos substituídos por manequins visíveis nas cenas de explosão), em DEN' D todos os vilões são exageradamente caricaturais, como Stasik, que parece ter saído de um filme do Guy Ritchie.
A propósito, eu nunca pensei que alguém pudesse exibir uma "interpretação" mais afetada que a de Vernon Wells como Bennett em "Comando para Matar" (com seus olhões arregalados e bigodão de Freddy Mercury), mas aqui Bob Schrijber ganharia qualquer Oscar de Interpretação Mais Forçada, já que seu vilão, quando nervoso, fica gritando com a língua pra fora, como se fosse Gene Simmons!
E se a produção russa parece melhorzinha que a do filme de Lester em várias cenas de ação (principalmente as explosões no final, que fazem dublês de carne e osso, e não manequins, voarem de um lado para o outro), DEN' D é muito mais "soft" do que o violentíssimo original, que era pura testosterona, músculos, balas e sangue. Até porque os humor deslocado e a péssima trilha sonora da cópia russa dão um ar cômico ao que era uma aventura séria lá em 1985.
Além disso, o "propósito" do filme, objetivo de sua existência, continua um completo mistério quando sobem os créditos finais. Será que os russos não conheciam "Comando para Matar" e os realizadores achavam que podiam lançar o "remake" como se fosse uma história original? Será que o objetivo era modernizar a trama (não, impossível, já que o filme é exatamente igual, e nunca vemos itens "modernos" como telefones celulares, que poderiam mudar os rumos da trama).
Ou será que a coisa toda é apenas uma "ego trip" do diretor e astro Porechenkov, que achava que podia fazer sombra a Schwarzenegger? Será que ele também vai se candidatar a governador lá na Rússia? Fico até imaginando os próximos projetos do sujeito: versões russas de "O Exterminador do Futuro" e "Conan". (Bem, desde que ele não faça o Senhor Frio em algum Batman russo, tudo bem...)
Mas confesso que me diverti muito vendo o filme, principalmente porque ficava comparando DEN' D e "Comando para Matar" o tempo inteiro, como num verdadeiro jogo dos sete erros. Como atração extra, a aventura russa termina com erros de gravação durante os créditos finais, provavelmente a única coisa que não foi copiada literalmente do filme original.
Uma última dúvida: considerando que "Duro de Matar" surgiu de um roteiro não-aproveitado de "Comando para Matar 2", será que em breve teremos um DEN' D 2, com Ivan enfrentando terroristas em um prédio de luxo? É bom não dar idéia...
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