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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

ÊXTASE (1933) - REBOBINANDO CLÁSSICOS


Êxtase/Ekstase

De Gustav Machatý, Tchecoslováquia-Áustria, 1933.
Com Hedy Kiesler (mais tarde Hedy Lamarr), Aribert Mog, Zvonimir Rogoz
Roteiro Frantisek Horký, Gustav Machatyú, Jacques A. Koerpel
Baseado no livro de Robert Horky
Fotografia Hans Androschin e Jan Stallich
Música Giuseppe Becce
Produção Elektafilm.

Êxtase, feito em 1933, entrou para a história por causa do escândalo: foi o primeiro filme exibido no circuito comercial normal a mostrar um nu frontal. Um precursor, assim, dos filmes que muito mais tarde mostrariam cenas de sexo explícito, ou quase.

Mas, mesmo abstraindo esse fato, ainda hoje, 76 anos e tanta "explicitude" depois, o filme ainda impressiona pela força e pela beleza das imagens. Não é pouca coisa.

Não que se possa vê-lo como uma narrativa normal, como, por exemplo, podemos ver hoje, sem qualquer estranhamento após a passagem de sete décadas, Aconteceu Naquela Noite, que Frank Capra fez apenas um ano depois, 1934, ou Luzes da Cidade, de Chaplin, de 1931, ou Ricos e Estranhos, de Hitchcock, também de 1931. Não, de forma alguma. Êxtase não tem uma narrativa normal, padrão – e vê-lo hoje provoca, sim, muito estranhamento.

Embora o cinema tivesse aprendido a falar em 1927, e o filme seja já do período sonoro, tem pouquíssimos diálogos – raríssimos. O diretor optou por uma narrativa diferente, diferenciada, longe do realismo, vanguardista. Toda a ação é acompanhada por música; é de fato como se o diretor tivesse querido criar um poema sinfônico. No início da produção, o título do filme era Symphonie der Liebe, Sinfonia do Amor – depois é que se optou por Ekstase.

Então, o fato é que é preciso um certo distanciamento, ou bastante distanciamento, para ver Êxtase hoje. É preciso entender que estamos vendo um filme que em 1933 era vanguardista – e não é muito fácil ter essa perspectiva de entender que é algo do passado algo distante que se pretendia muito avançado.

A trama é um fiapinho mínimo, uma história de nada: jovem, bela e rica mulher, Eva, casa-se com homem bem mais velho; não há paixão entre eles, não há sexo, e por isso Eva retorna à casa do pai; perto dali vai conhecer outro homem e se apaixonar por ele.

A história não importa tanto. Importam as imagens, e a música que as acompanha, realça, sublinha. Reflexos e sombras – tudo é ponteado por reflexos e sombras. Planos gerais alternam-se com grandes close-ups. Há várias seqüências em que há uma montagem rápida de quadros estáticos, sem movimento de câmara: paisagens, detalhes de coisas da natureza, plantas, folhas, animais, estátuas, muitas pequenas estatuetas, óculos deixados sobre uma mesa, um colar. O visual é tremendamente impressionante, é de fato muito à frente de seu tempo.

Só não é mais impressionante do que a forma com que o diretor aborda o sexo, o desejo sexual, no ano da graça de 1933. Não há nada propriamente explícito, é claro. A própria seqüência famosérrima, histórica, em que Eva aparece nua seria hoje incapaz de ofender a velhinha mais beata da paróquia. Eva monta em seu cavalo, galopa até um lago, nada nua; sai do lago quando seu cavalo se distancia dela, e então durante alguns minutos anda nua pelo campo; não chegamos a ver pelos pubianos; vemos os seios dela, mas de longe; as únicas tomadas em que ela aparece mais próxima com os seios à mostra são bem rápidas.

A questão não é a explicitude. Explícito, assim, tipo Império dos Sentidos, ou Instinto Selvagem,, ou como Lady Chatterley da francesa Pascale Ferran, que é claro e às claras mas está longe do pornô, disso não há absolutamente nada, neste Êxtase.

A questão é a intensidade – ainda que implícita. Há seqüências intensamente sensuais, provavelmente mais intensamente sensuais que muitos filmes abertamente pornográficos. A própria seqüência histórica do banho no lago é assim: enquanto Eva está tomando banho nua no lago, sua égua se sente atraída por um cavalo que está também no campo; os dois animais se aproximam, e a câmara vai fazer grandes closes deles, as veias saltadas de excitação. E são magníficas as caras e bocas que Eva faz diante da aproximação do homem que em seu socorro leva-lhe a roupa que ela havia deixado sobre sua égua – de repúdio, repulsa, afasta-te, Satanás, misturadas às de venha, venha, venha.

Ainda não será desta vez. Será um pouco mais tarde – e a seqüência em que Eva reencontra o homem, na casa dele, é extraordinária. Nenhuma explicitude, de forma alguma – nenhuma nudez, inclusive. Mas são magníficas, colossais, a força, a intensidade que o diretor consegue imprimir às tomadas, super-big-close-ups do rosto de Eva. Há dois ou três closes do pescoço e do colo dela – arfante, ofegante. Vem o beijo, aproximam-se, estão deitados. Cai ao chão o colar de pérolas – o casal está vestido, comportadíssimo, mas é uma das mais gloriosas cenas de sexo da história do cinema.

Chamava-se Hedy Kiesler, a atriz que faz essa Eva, a grande precursora das cenas de sexo do cinema. Hedy Kiesler era o nome artístico; chamava-se mesmo Hedwig Eva Maria Kiesler. Estava na flor dos 19 aninhos de idade – nasceu em 1913, em Viena, então capital do Império Áustro-Húngaro, se não me falham a memória e os parquíssimos conhecimentos de História. Tinha largado a escola para começar a carreira de atriz em 1930, e, antes de Êxtase, tinha feito filmes checos e alemães. Neste filme aqui, demonstra aquela capacidade rara que algumas atrizes têm de mostrar várias caras diferentes. Tem pelo menos umas dez caras, ao longo do filme. Conta-se que seu primeiro marido (foram seis), um industrial milionário do ramo de munições, Fritz Mandl , tentou comprar, para destruir, todas as cópias do filme.

Hedwig Eva Maria Kiesler fugiu dele. Iria virar Hedy Lamarr, a partir de 1938, ano de seu primeiro filme em Hollywood, Algiers, ao lado de outro produto importado da Europa, Charles Boyer. O puritanismo e a censura americanos cortaram cenas de Êxtase para a exibição nos cinemas, mas o sucesso do filme na Europa tinha sido impressionante demais para que os grandes estúdios não quisessem comprar o passe da moça, como compravam de todo o mundo. “Foi pela sua beleza morena que ela ganhou o contrato com a MGM, não por seu talento como atriz”, diz o livro Actors & Actresses. Outro livro, Leading Ladies, conta uma boa história: Louis B. Mayer, o chefão da MGM, encontrou-se com ela em Londres e ofereceu-lhe um contrato de seis meses por US$ 125 por semana. A atriz não assinou, mas mexeu pauzinhos para fazer a viagem Londres-Nova York ao lado de Mayer; quando chegou a Nova York, assinou um contrato de seis anos começando com US$ 500 por semana. Garota esperta.

Não teve, no entanto, carreira brilhante, nem em termos artísticos nem comerciais, como outras estrelas importados da Europa pelo ouro da Califórnia – Greta Garbo, Greer Garson, Marlene Dietrich, Ingrid Bergman. “Ela foi sempre escolhida para papéis sensuais e provocativos, e seu desenvolvimento como atriz foi severamente restringido pela reputação que tinha por causa das cenas de nudez de Êxtase”, diz o livro Actors & Actresses. “Paradoxalmente, sua pura beleza tornou-se um impedimento para que ela chegasse a ser considerada para papéis mais difíceis.” É o que diz esse livro .  Já o outro, Leading Ladies, diz que ela recusou os papéis principais de Laura e À Meia Luz – no primeiro brilhou Gene Tierney, no segundo, Ingrid Bergman. 

Seu maior sucesso em Hollywood foi Sansão e Dalila, um dos épicos bíblicos de Cecil B. DeMille, feito em 1949; Sansão era Victor Mature. Hedy Lamarr acabou ficando mais conhecida pelos divórcios e pelas fofocas do que como atriz, segundo se diz em Leading Ladies; foi presa duas vezes acusada de roubar em lojas (como aconteceria décadas mais tarde com Winona Ryder); em 1966, processou os editores de sua autobiografia Ecstasy and Me, alegando que os ghostwriters acrescentaram detalhes íntimos que ela não havia autorizado; depois processaria Mel Brooks, por ele ter criado, em Banzé no Oeste, um personagem chamado Hedley Lamarr, e iria à Justiça também contra uma empresa de computadores, por ter usado fotos suas sem a devida autorização. Morreria em Orlando, Flórida, em 2000, aos 87 anos.

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