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domingo, 9 de novembro de 2014

PSICOSE (1960)



FICHA TÉCNICA

Título original: Psycho
Ano de lançamento: 1960
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Joseph Stephano, baseado no romance de Robert Bloch
Duração: 109 minutos
Elenco: Anthony Perkins (Norman Bates), Vera Miles (Lila), John Gavin (Sam), Janet Leigh (Marion), Martin Balsam (Arbogast)
Indicações ao Oscar: Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Janet Leigh), Melhor Fotografia em Preto e Branco, Melhor Direção de Arte em Preto e Branco

SINOPSE

Marion Crane é uma secretária (Janet Leigh) que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para se casar e começar uma nova vida. Durante a fuga à carro, ela enfrenta uma forte tempestade, erra o caminho e chega em um velho hotel. O estabelecimento é administrado por um sujeito atencioso chamado Norman Bates (Anthony Perkins), que nutre um forte respeito e temor por sua mãe. Marion decide passar a noite no local, sem saber o perigo que a cerca.


ANÁLISE

Marion Crane (Janet Leigh) é uma ladra. Ela roubou 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para pagar as dívidas que o seu amante, Sam (John Gavin) possui, e assim, poder finalmente se casar com ele. Mas, no caminho para a cidade onde ele morava, Marion se perde e vai parar no Motel Bates, tão sinistro quanto o seu administrador, Norman Bates (Anthony Perkins). Ela resolve fazer uma parada, comer alguma coisa, e tomar um banho…
Psicose é sem dúvida o filme mais famoso de Hitchcock, com uma de suas cenas se tornando tão icônica que é difícil encontrar quem não a tenha visto: a do assassinato no chuveiro. Muita gente ainda não o assistiu, mas todo mundo reconhece o som agudo dos violinos tocado nessa sequência, que é uma das mais famosas do cinema. Nas diversas listas de melhores filmes, feitas por sites, revistas e jornais, a obra de 1960 geralmente figura em primeiro lugar. A cena do chuveiro também costuma arrebatar a primeira posição nos rankings de cenas mais assustadoras.
A pergunta que pode ficar na cabeça de quem nunca viu esse clássico do cinema é: mas Psicose é tão assustador assim? A minha resposta franca é a seguinte: para a época em que o longa foi lançado, ele certamente deve ter deixado os espectadores de cabelo em pé, por ter trechos absolutamente horripilantes. No entanto, devido ao seu sucesso estrondoso, várias cenas da produção vem sendo reproduzidas à exaustão por diversos meios de comunicação, assim como a sua reviravolta final, o que tira um pouco do seu poder. Um caso parecido é o de O Exorcista, que não assusta as plateias modernas na mesma intensidade de antes. Além disso, o gênero do terror pós-Psicose tentou cada vez mais chocar as plateias, mostrando mais assassinatos, sangue e outras coisas nojentas para chamar a atenção. Perto desses filmes apelativos, a produção de Hitchcock pode parecer até mesmo ingênua.
Mas isso significa que o filme envelheceu mal? De maneira nenhuma! Psicose ainda mantém todo um clima de horror e mistério, e consegue impressionar mesmo quem sabe a história de cabo a rabo. Eu já devo ter assistido essa obra-prima umas cinco vezes, e nunca deixo de sentir medo de Norman Bates, do motel, e principalmente, de sua misteriosa mãe, assim como não tenho como evitar ficar apreensivo pelo dilema enfrentado por Marion (fugir com o dinheiro ou devolvê-lo?). O filme consegue unir suspense e terror de uma maneira bastante natural, algo que só mesmo Hitchcock poderia ter feito com tanta competência.

O engraçado é que o Mestre resolveu realizar este filme como um verdadeiro filme B: ele preferiu produzi-lo com uma equipe de televisão (a que fazia a sua série, Alfred Hitchcock Presents) e não com seus colaboradores costumeiros; o filme foi rodado em preto e branco, o último de sua carreira; os atores não eram grandes estrelas em Hollywood na época, com exceção de Janet Leigh, e a trama não era tão sofisticada como a de seus últimos filmes. Mesmo assim, foi esse filme B, dirigido por um diretor “classe A”, que iria assustar plateias do mundo todo por anos a fio.
O filme pode ser dividido em duas partes, bastante diferentes uma da outra: se a primeira funciona melhor como um suspense, a segunda se caracteriza mais como um filme de terror. Hitchcock já mostra a sua genialidade logo na primeira cena, filmando a cidade de Phoenix do alto, e depois se aproximando cada vez mais de um apartamento, numa tomada pretensiosa (no bom sentido) para a época. Nesses primeiros momentos, Hitch obriga os espectadores a se tornarem voyeurs (uma prática que será importante mais tarde no filme) e conhecer o drama de Marion e Sam: ela quer se casar, mas ele não, pois, afundado em dívidas, não tem condições de dar uma vida boa a ela. É uma cena que se passa logo após o ato sexual, obviamente, e mostra como os tempos estavam mudando: a censura já liberava cenas como essa sem problemas no começo dos anos 60.
De voyeurs, passamos a cúmplices de crime, quando Marion rouba o dinheiro, acreditando que isso a garantirá o seu “final feliz”. O Mestre afirmou que nenhum personagem de Psicose é simpático, o que é verdade, e que a plateia não conseguiria se identificar com eles, algo que já não concordo assim tão veementemente. Pela cenas que espiamos no começo do filme, eu, pelo menos, me vi torcendo para que a moça conseguisse se acertar com Sam, mesmo tendo roubado o dinheiro. Ela não é uma criminosa em si, mas sim uma pessoa desesperada para sair de sua condição atual sufocante. Marion é humana, e por isso me interessou tanto.

Nesta metade do filme, ainda temos vários segmentos interessantes, como a cena em que Hitchcock fixa sua câmera em Janet Leigh, enquanto que vozes em off (ou seja, fora de cena) de seu patrão, irmã (Lila, vivida por Vera Miles, de O Homem Errado) e amante se perguntam onde ela está: todo esse cenário é imaginado pela própria Marion. Está aí, desenvolvimento em termos visuais, a ideia da paranoia. E isso que nem chegamos ao Motel Bates ainda!
Esse cenário, desde o primeiro momento que aparece na tela, se reveste de um clima sinistro, desolador, opressor. Ele é composto pelo motel decadente e por um casarão com claras influências góticas, que parece ter saído de um filme de terror antigo da Universal. Coincidências à parte, Psicose foi filmado nesse estúdio. A casa consegue ficar ainda mais assustadora com a presença misteriosa da Senhora Bates, que só se revela como uma sombra atrás das cortinas.
Se a mãe é enigmática, o filho é esquisitíssimo. Norman Bates é um dos personagens mais famosos do cinema, e não é pra menos: Anthony Perkins cria um antagonista excêntrico, com diversos trejeitos e tiques, e imprevisível: uma hora, ele pode parecer a mais inocente das criaturas, sendo que na outra ele dá claras evidências de ser um homem perturbado psicologicamente. É uma performance hipnótica, apoiada em nuances microscópicas, mas que fazem a diferença no produto final. Embora Janet Leigh (indicada ao Oscar) e Vera Miles estejam muito bem em seus respectivos papeis, não tem jeito: este filme é de Anthony Perkins e do seu Norman Bates.
E, assim, chegamos à surpreendente cena do chuveiro. Hoje, por motivos óbvios, ela é esperado por qualquer pessoas que esteja assistindo à obra, mesmo que seja a primeira vez. Mas, imaginem as plateias em 1960, que  acompanharam por 50 minutos a jornada de Marion, sofreram com ela, conheceram a fundo sua maneira de pensar, suas qualidades e defeitos… só pra depois ela ser morta repentinamente! E não foi um assassinato qualquer: ela morreu devido a sucessivas facadas! É o maior choque de todos os filmes de Hitchcock, e por isso é lembrado até hoje. 

Para conseguir esse efeito na plateia, o Mestre criou um jogo rápido de montagem extremamente eficaz, com cada corte coincidindo com um golpe de faca. Apesar do ritmo acelerado (são 70 posições de câmera para 45 segundos de filme!), a sequência não fica de modo algum confusa – ela é até bem sistemática, com cada corte correspondendo a uma facada no corpo da vítima. O seu impacto é muito intenso não só pela surpresa ou edição, mas também pela hoje clássica música criada por Bernard Herrmann, que fez um excelente uso dos violinos para completar o efeito perturbador do assassinato.
Já na segunda parte de Psicose, o tom de horror começa a se sobrepor ao do suspense. O foco não é mais Marion e o que pode acontecer ao dinheiro roubado, mas sim, o que diabos está acontecendo naquele motel! Lila e Sam, tentando encontrar Marion, descobrem informações sobre os Bates que nem o público sabia, o que nos faz ficar mais atiçados para descobrir o mistério final. E quando ele é finalmente solucionado, tomamos outro choque, tão ou mais forte que o que tomamos na cena do chuveiro! A surpresa só não é mais impactante porque é seguida de uma cena desnecessária, em que um psicólogo explica algumas pontas soltas do roteiro. Teria sido melhor deixar o final em aberto, ficaria muito mais coerente com o clima aterrorizante que permeia toda a trama… Mas, se toda essa sequência não ajuda, também não atrapalha.

 O nível técnico de Hitchcock atinge um novo patamar, superando a si mesmo. Aqui, ele faz uso da edição e do posicionamento da câmera de tal modo que mantenha o suspense e impeça a grande reviravolta de ser descoberta facilmente. Com o seu habitual controle absoluto sobre o modo de contar a história, Hitch consegue fazer de Psicose um filme assustador, chocante, tenso, misterioso… não há adjetivos suficientes para descrever a experiência que é assistir a Psicose, que por incrível que possa parecer, é incrivelmente prazerosa. No fim, essa obra-prima não é nada mais do que entretenimento, mas daqueles que são minuciosamente filmados e pensados para que a experiência seja satisfatória. E é dificílimo encontrar um filme de horror que satisfaça mais a plateia do que Psicose. Hitch, mais uma vez, presenteou o público com uma obra-prima, um pequeno (ou seria grande?) “filme B” que até hoje não perdeu nem o seu charme, nem sua força.


Na minha opinião, ainda que "Um corpo que cai" tenha sido eleito o maior filme do cinema, e que "Intriga internacional" seja o filme do diretor que eu sempre revia, Psicose se tornou, com o tempo, seu filme mais marcante, e que eu assisto e reassisto sem parar.


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