FICHA TÉCNICA
Título Original: L'ultimo squalo
Ano: 1981 • País: ITÁLIA
Direção: Enzo G. Castellari
Roteiro: Vincenzo Mannino, Marc Princi, Ugo Tucci, Ramón Bravo
Produção: Maurizio Amati, Ugo Tucci
Elenco: James Franciscus, Vic Morrow, Micaela Pignatelli, Joshua Sinclair, Giancarlo Prete, Stefania Girolami Goodwin, Gian Marco Lari, Chuck Kaufman, Gail Moore, Joyce Lee, Don Devendorf, Bill Eudaly, Bill Starks
ANÁLISE
Sabe aquele filme da cidadezinha litorânea que é aterrorizada por um grande tubarão branco? Aquele em que várias mortes acontecem, mas o prefeito tenta abafar para não provocar pânico, com medo de espantar os turistas? É, aquele mesmo onde a fera aquática é combatida por um intrépido herói, ajudado por um veterano marinheiro que já teve uma experiência anterior com tubarões? E agora a pergunta que vale o prêmio: como é o nome deste filme? Algum dos meus seis leitores poderá até arriscar, todo faceiro: “Claro que é o Tubarão, do Spielberg!”.
Bom… Também esse! Mas, na verdade, o filme de que estou falando é O Último Tubarão, uma daquelas divertidíssimas picaretagens italianas que, como o leitor pode perceber só por esta introdução, é uma cópia xerox (o termo técnico é rip-off) do famoso suspense dirigido pelo jovem Steven Spielberg em 1975. A bem da verdade, O Último Tubarão não é somente um clone italiano de Tubarão, mas um resumão de 1h30min do filme do Spielberg e também de sua primeira seqüência, o divertido Tubarão 2, que o francês Jeannot Szwarc dirigiu nos States em 1978. O “genérico” italiano saiu três anos depois, em 1981, e o roteiro de Marc Princi e Vincenzo Mannini aproveita do original de Spielberg os personagens e as situações (especialmente o pouco caso que os administradores da cidade litorânea fazem da ameaça), e da sequência de Szwarc copia o grupo de jovens na mira do tubarão assassino.
Princi e Mannini também aproveitaram para dar uma chupinhada básica no romance “Tintorera”, de Ramón Bravo, que já havia dado origem a um clone mexicano de Tubarão em 1977: o trash Tintorera, dirigido por René Cardona Jr. É claro que tamanha “semelhança” com os produtos norte-americanos não passou despercebida quando os italianos tentaram lançar seu filme no mercado internacional. E foi um episódio judicial que deu fama imortal a esta produção barata: o distribuidor que adquiriu os direitos para exibição da obra nos Estados Unidos mudou o título original de L’Ultimo Squalo para Great White e torrou quatro milhões de dólares numa campanha publicitária caprichada, que tentava vender a produção italiana como algo mais forte e mais emocionante do que Tubarão e Tubarão 2.
Esta campanha chamou a atenção não só do público, mas dos próprios executivos da Universal Pictures, que produzira os dois filmes “oficiais” da série e já estava pensando no terceiro (Tubarão 3 saiu somente em 1983). Resultado: assim que O Último Tubarão chegou aos cinemas norte-americanos, a Universal processou distribuidores e produtores alegando “semelhanças suspeitas” com os filmes que produzira. E nenhum júri do planeta iria absolver os pobres italianos, como você deve ter percebido pelo resumo do primeiro parágrafo. Para resumir a história, a Universal ganhou o processo e O Último Tubarão foi retirado do mercado e dos cinemas. Até hoje, sua exibição e lançamento comercial, mesmo em DVD, continuam proibidos em território norte-americano. Diz a lenda, inclusive, que a Universal só ficou fula com os italianos porque o filme estava faturando mais nos cinemas do que a continuação oficial, Tubarão 2!!!
Felizmente, no resto do mundo é outra história (sorte nossa!). Enquanto nos EUA o filme se transformou numa espécie de peça de colecionador, circulando em cópias piratas de qualidade duvidosa e preço caríssimo, no Brasil, onde vale tudo (ou quase tudo), ele foi lançado em vídeo duas vezes (morram de inveja, ianques!!!), por duas distribuidoras diferentes, nos saudosos tempos do VHS: a DIV mandou a fita para as locadoras com o título picareta de Tubarão 4; já a Poletel adotou O Último Tubarão, que também foi o título usado pela emissora de Silvio Santos nas inesgotáveis reprises da película na saudosa Sessão das Dez. (É, pessoal, a gente era feliz e não sabia: bons tempos aqueles em que você podia ligar a TV num domingo de noite e ver filmes como O Último Tubarão, Os Caçadores de Atlântida e Thunder – Um Homem Chamado Trovão…)
O engraçado é que, além do tal processo judicial, o filme italiano ainda teve o mérito de bagunçar a franquia dos gringos, já que foi lançado com o título Tubarão 3 (!!!) na Espanha e Tubarão 4 no Brasil e em alguns outros países, como se fosse uma sequência oficial da série. E em parte do mundo ele realmente ficou tão marcado como Tubarão 4 que o verdadeiro quarto filme da franquia, dirigido por Joseph Sargent em 1987, teve que ser rebatizado como Tubarão – A Vingança para evitar confusões. E a italianada deve estar rindo à toa até hoje! Produzido pelos irmãos Maurizio e Sandro Amati (que no ano anterior haviam mandado para os cinemas o indigesto Cannibal Apocalypse, de Antonio Margheritti), O Último Tubarão também é uma das raras incursões no cinema fantástico de um dos grandes diretores italianos daquele período: Enzo G. Castellari. Diretor mais conhecido por filmes de ação e westerns (além de uma impagável série de filmes pós-apocalípticos), Castellari é o artesão por trás de preciosidades como Assalto ao Trem Blindado (que inspirou Quentin Tarantino a fazer Bastardos Inglórios), Fuga do Bronx e Keoma.
Mas filmes de terror não eram exatamente a sua praia: ele havia dirigido um obscuro giallo chamado Sensitività (1979), e até recebeu os roteiros de Zombie e de Piranhas 2: Assassinas Voadoras, mas passou adiante (eles caíram nas mãos de Lucio Fulci e James Cameron, respectivamente). No caso de O Último Tubarão, Castellari fez um trabalho bastante eficiente, mantendo sua principal característica como cineasta (cenas de ação em câmera lenta) e reunindo vários atores com quem trabalhou em produções anteriores, como se fosse uma reunião de amigos. Vale destacar que o diretor já havia “trabalhado” com tubarões dois anos antes, em 1979, quando dirigiu a divertida e sangrenta aventura "O Caçador de Tubarões", com Franco Nero e Eduardo Fajardo.
As filmagens aconteceram no litoral de Malta, no Mediterrâneo, em sua maior parte, mas algumas cenas também foram rodadas na praia de Savannah, na Georgia (EUA). Isso porque as figurinhas carimbadas do cinema italiano da época dividiram a cena com dois atores norte-americanos “de respeito”, James Franciscus (que já havia aparecido em produções italianas mais respeitáveis, como O Gato das Nove Caudas, de Dario Argento, ou menos respeitáveis, como O Peixe Assassino, de Antonio Margheritti) e Vic Morrow (do seriado Combate!, que depois faria com Castellari o clássico trash 1990 – Os Guerreiros do Bronx). O Último Tubarão começa com um rapaz praticando windsurf no litoral de uma praia chamada South Bay, e você sabe que este é um legítimo filme de Enzo Castellari quando as manobras do jovem são quase todas realizadas em estiloso slow-motion. Mas alguma coisa se aproxima, vinda das profundezas do oceano. Alguma coisa que é apresentada pela câmera somente através da visão em primeira pessoa – neste caso, “visão em primeiro tubarão”. A câmera (tubarão) avança para a superfície e atinge em cheio o rapaz. BANG! No que parece ser uma explosão na água, ele e sua prancha são jogados para os ares em câmera lenta, e o coitado logo se transforma na primeira vítima do vilão aquático.
Tranquilo em sua casa, o escritor (e, de lambuja, expert em tubarões) Peter Benton (interpretado por Franciscus) trabalha em seu novo livro, alheio ao terror que se aproxima da praia. Para quem não pegou a malandragem, o nome do protagonista é uma “homenagem” a Peter Benchley, o escritor do romance que deu origem ao Tubarão do Spielberg. É, esses italianos não tinham mesmo vergonha na cara…Logo aparece Jenny, a filha de Peter (interpretada por Stefania Girolami Goodwin, que na vida real é filha do diretor Enzo), pedindo emprestado o bote da família para procurar pelo tal rapaz desaparecido. O escritor então toma parte nas buscas, mas quem primeiro descobre o que restou da prancha da vítima é o velho marujo Ron Hammer (Morrow, copiando descaradamente o Quint interpretado por Robert Shaw no filme de Spielberg, inclusive no figurino!).
Quando lhe perguntam o que ele acha que aconteceu com aquela prancha feita em pedaços, Hammer responde, num daqueles diálogos que qualquer roteirista sério teria vergonha de escrever: “Uma coisa é certa: não foi uma serra elétrica marinha!”. A Guarda Costeira prossegue realizando buscas, mas nada do rapaz (que àquelas alturas já deve ter sido totalmente digerido pelo tubarão). De lambuja, rebocam para a margem um barquinho de alguém que foi atacado off-screen pelo tubarão (talvez em alguma cena cortada na edição). Do proprietário do barco, sobrou apenas um tosco braço decepado de borracha!.
Como South Bay está para festejar seu centenário, e isso inclui muita gente na praia e uma competição de windsurf, Peter e Hammer vão conversar com o prefeito da cidadezinha, William Wells (o nova-iorquino Joshua Sinclair, que fez diversos filmes com Castellari, como 1990 – Os Guerreiros do Bronx). Típico almofadinha de bigodinho, ele está se candidatando a governador e acha que cancelar os festejos de 100 anos da cidade iria trazer uma imagem negativa sobre sua administração – como se dezenas de mortes provocadas por um tubarão nas mesmas comemorações não trouxessem nenhuma imagem negativa! Em suma, Wells é a versão italiana do prefeito de Amity, interpretado por Murray Hamilton em Tubarão e Tubarão 2. A solução encontrada pelos políticos para controlar o pânico é cercar a área onde acontecerá a regata, usando grades e redes de proteção anti-tubarão.
Mas isso não basta para conter a sede de sangue do predador: na véspera da competição, ele simplesmente arrebenta a rede e, no processo, fica com um balão sinalizador enroscado na cauda. Então Castellari prepara o clima para o grande momento do filme: a regata que vai acabar mal. Infelizmente, não cumpre com a expectativa. Embora consiga criar uma bela cena de suspense com o balão sinalizador que vem se aproximando ameaçadoramente dos competidores da regata, o diretor falha por não criar o banho de sangue que se espera de um ataque de tubarão a uma competição aquática – em outras palavras, um verdadeiro “espeto corrido humano” para tubarões!
Na prática, entretanto, o bicho se limita a ficar derrubando os jovens de suas pranchas, porém sem devorá-los (!!!), enquanto Peter, imitando Tubarão (1975) direitinho, corre berrando o tradicional “Saiam da água! Saiam da água!” no megafone. Para a sorte da garotada, o predador oceânico prefere atacar apenas a lancha onde está o assessor do prefeito, que é o próximo a ser catapultado para os ares em câmera lenta, com barco e tudo, antes de ser devorado diante das câmeras de TV que faziam a cobertura do evento! A partir de então, o roteiro se desenvolve como uma versão rápida de Tubarão 2: alguns jovens, sem o consentimento dos pais, roubam um barco e vão para alto-mar tentar caçar o tubarão por conta própria, mas é claro que acabam atacados pela fera. E entre eles está Jenny, a filha do nosso herói. Ela tem uma das pernas decepada por uma mordida do tubarão, e é levada para o hospital em estado grave. No quarto, olhando para a garota desacordada, Peter faz um risível monólogo lembrando de quando a filha estava tentando aprender a andar de bicicleta, tentando comover o espectador – que só consegue rir da interpretação forçadíssima de James Franciscus. E resolve que vai acabar ele mesmo com a fera. Olho por olho. Ou, neste caso, perna por perna.
É a partir de então que O Último Tubarão finalmente mostra a que veio: muita ação, violência e cenas tão absurdas que ficam no limite do trash. Castellari costuma usar miniaturas para criar cenas de ação mais baratas (a exemplo do compatriota Antonio Margheritti), mas aqui ele força a barra numa ridícula cena em que o tubarão puxa um helicóptero para dentro do mar (copiada de Tubarão 2), pois percebe-se claramente que a aeronave é um brinquedinho de plástico dos mais toscos!
E se Spielberg, em Tubarão, preferiu investir no clima, mostrando o animal em todo o seu esplendor apenas na conclusão (até porque o bicho mecânico que tinham construído para o filme só dava problemas), Castellari foi na contramão: mostra o bichão toda hora, seja através de cenas retiradas de documentários (algumas tão granuladas que parecem ter 100 anos de idade), seja através de um monstrão mecânico bem parecido com seu primo norte-americano, sem expressão, que não faz muita coisa além de emergir do oceano com a bocarra aberta (e, estranhamente, nunca fecha a boca, nem para mastigar!). O tubarão italiano foi projetado por Antonio Corridori (o mesmo que fez as piranhas voadoras de Piranha 2!!!), e é tão falso que parece que mais cedo ou mais tarde vai aparecer um made in Italy escrito na cabeça do bicho.
Para piorar, as cenas reais de documentários usadas na edição mostram tubarões de todos os tamanhos e cores, alguns deles bem diferentes do tubarão mecânico usado nas cenas em close. Realismo zero, diversão 10! Mas Castellari não está nem ligando. Ele parece mais interessado nos ataques do tubarão, no sangue, na violência, na ação, no sensacionalismo tão característico do cinema italiano da época. Tanto Spielberg em Tubarão quanto Szwarc em Tubarão 2 fizeram questão de mostrar o quão devastador é um ataque de tubarão. Nunca me esqueço de um momento da Parte 2 em que o tubarão abocanha e puxa um garoto que estava inutilmente tentando se segurar ao casco de um barco, e a violência do ataque é tamanha que a vítima é levada para o fundo do mar ainda segurando nas mãos um pedaço de madeira arrancado do casco.
Castellari tentou fazer coisa semelhante nas cenas de “ataques explosivos” do seu tubarão, quando as vítimas saem voando em câmera lenta, um efeito exagerado (que lembra mais uma explosão no mar do que um ataque de tubarão), mas que é visualmente instigante e bem realizado. O homem sabe o que faz, e, pelo visto, não dá muita bola para a lógica! Como ponto criativo da produção italiana, há um toque Cannibal Holocaust no enredo, graças à presença do ambicioso repórter Bob Martin (Timothy Brent, ou Giancarlo Prete, outro que trabalha seguido com Castellari). Ele parece obcecado em levar a fúria do tubarão para o noticiário das oito, e continua com a câmera ligada mesmo quando, entre as vítimas, está o seu cameraman Jimmy (Massimo Vanni, também da turma de atores confirmados do diretor).
Martin chega a contratar um caçador dos bons, Briley (Romano Puppo), para destruir o predador em rede nacional. E, quando a coisa dá errado, ele prefere ficar filmando o ataque do monstro a buscar ajuda. Não lembra o nosso amigo Allan Yates de Cannibal Holocaust? O Último Tubarão também tem um senso moralista de justiça que você não vê nos filmes norte-americanos do Spielberg e do Szwarc. Nos originais, nada acontecia ao prefeito de Amity que não acreditava na ameaça do tubarão, enquanto aqui o prefeito Wells é o protagonista de uma das cenas mais sangrentas do longa: tentando agarrar-se ao trem de pouso de um helicóptero após cair no mar, o político tem as duas pernas decepadas pela mordida do tubarão. Mas o mais legal é que, 10 minutos antes, Castellari transformou o mesquinho e vilanesco Wells num personagem simpático, ao mostrá-lo consumido pela culpa das mortes provocadas pelo tubarão, a ponto de resolver acabar ele mesmo com a ameaça que está aterrorizando a “sua” cidade.
Além dos “ataques explosivos”, um outro exagero da italianada é apresentar um tubarão absurdamente inteligente, que parece raciocinar ao ponto de rebocar um pedaço do cais, repleto de possíveis vítimas, para o meio do mar. Mas o momento mais absurdo (e portanto engraçado) é aquele em que a fera empurra enormes pedras com a cabeça (!!!) para trancar a entrada de uma gruta submarina onde estão presos dois mergulhadores. Aí é inteligência demais para um ser que deveria ser irracional! Se o roteiro tivesse inventado alguma mutação radioativa ou experiência genética para explicar a esperteza do bicho (como Renny Harlin fez anos depois no divertido Do Fundo do Mar), vá lá… Por essas e por outras, pode-se dizer que O Último Tubarão é uma boa diversão. As cenas ridículas e imbecis apenas tornam o programa mais engraçado, ao invés de enfurecer o espectador. Já o roteiro não tem grandes enrolações: quem acha o Tubarão de Spielberg muito longo na sua criação de clima, não vai poder se queixar da quantidade de ataques de tubarão mostrados por Castellari.
Tudo bem que os roteiristas Princi e Mannini mostram toda a sua incompetência ao utilizar TRÊS VEZES o mesmo artifício de alguém tentando “pescar” o tubarão com um pedação de carne preso a um gancho. Tudo bem que o filme tenha vários pontos fracos. Tudo bem que às vezes apele para soluções forçadas – como um cadáver cheio de explosivos que aparece de repente bem na hora em que o herói está encurralado pelo tubarão! Mas é justamente por isso, e pela cara-de-pau de copiar a fórmula de sucesso do cinema norte-americano, que o filme de Castellari é divertido. Quer outro exemplo simplesmente hilariante de “forçada de barra”? Na conclusão, o personagem de James Franciscus só precisa apertar o botão de um detonador para explodir o grande vilão da história em pedacinhos.
Porém, mantendo o clima exageradamente engraçado da película, ele grita um dramático “Maldito seja!” em câmera lenta e inexplicavelmente, também em slow-motion, salta para dentro do mar, apertando o tal botão enquanto está no ar!!! Uma cena que não tem qualquer razão de existir além de criar mais um efeito “climático” em câmera lenta – até porque seria anti-heroico mostrar o galã do filme confortavelmente sentado de pernas cruzadas e apertando aquele botão sem qualquer emoção.
É esse clima de absurdo e de fanfarronice que permeia o filme todo, fazendo-o um programa divertido para quem curte as bobagens do gênero, e com ótimas cenas aquáticas, ao contrário de outras tranqueiras italianas da época. Algumas curiosidades: a trilha sonora de Guido e Maurizio de Angelis tenta (sem sucesso) copiar o famoso tema de suspense de John Williams em Tubarão. A família do diretor participa em peso: além da filha Stefania, aparecem seu outro filho, Andrea, e seu irmão Ennio Girolami (com o tradicional pseudônimo americanizado Thomas Moore). O roteiro lembra muito uma outra cópia italiana de Tubarão: o trash Tentáculos, de Ovídio G. Assonitis, que também tem uma regata onde o monstro faz a festa. E até o pôster original italiano é uma cópia da franquia norte-americana, neste caso de Tubarão 2: enquanto no cartaz do filme norte-americano o tubarão aparece prestes a abocanhar uma garota que pratica esqui aquático, no pôster do filme de Castellari o bichão abre a bocarra para engolir um praticante de windsurf (ou seja, só muda o esporte!).
Claro que O Último Tubarão não pode e nem deve ser comparado com Tubarão, como fizeram os enfurecidos executivos da Universal. Enquanto o filme de Spielberg era um hambúrguer com sabor de caviar (em outras palavras, um filme-pipoca muito bem realizado que o tempo transformou num clássico do gênero), a versão de Castellari não tem a mesma pretensão, é apenas um saboroso prato de espaguete à bolonhesa, daquele tipo servido em qualquer restaurante de quinta categoria, que enche a barriga e mata a fome, mas não passa disso (e nem pretende passar).
Não há as grandiloquências do clássico dirigido por Spielberg, como aquele longo diálogo em que Quint explicava seu primeiro encontro com tubarões durante a guerra, e nem a mesma dedicação à construção dos personagens. Enquanto aqui Hammer aparece como uma versão italiana mais sarcástica e menos séria de Quint, um homem de ação sem monólogos como sua contraparte norte-americana, o protagonista Peter é a soma de dois personagens de Tubarão, o xerife interpretado por Roy Scheider e o oceanógrafo vivido por Richard Dreyfuss, mas sem um pingo do carisma de ambos. Isso porque Castellari parece desinteressado em criar personagens críveis ou filosoficamente complexos, como os de Spielberg; seu negócio é colocar no filme heróis durões e vítimas anônimas para serem devoradas pelo tubarão.
Em suma: o que parece é que Castellari não quis fazer um novo Tubarão, e estava plenamente consciente de que o material que tinha em mãos nunca seria um clássico. Seu objetivo é apenas o de divertir o público, e isso ele consegue fazer perfeitamente bem – mais até do que algumas continuações “oficiais” de Tubarão. Também é bem melhor do que outras imitações do filme de Spielberg feitas na Itália, como Tubarão Vermelho, dirigido por Lamberto Bava em 1984, e Sangue Negli Abissi, dirigido por Joe D’Amato em 1989, e inédito no Brasil. Por último, mas não menos importante, O Último Tubarão é um reflexo da produção barata italiana do seu período – produção esta que, infelizmente, não existe mais. Era um cinema calcado, sim, nas fórmulas de sucesso de Hollywood, mas atire a primeira pedra quem nunca pecou (o cinema brasileiro não está, hoje, fazendo a mesma coisa com um pouquinho mais de recursos?).
E filmes como este de Castellari eram, acima de tudo, o reflexo de um cinema despretensioso, que buscava apenas o lucro. Em outras palavras: precisava entreter, divertir o público, para dar lucro rápido e fácil, pois os produtores não podiam se dar ao luxo de mandar um filme “autoral” aos cinemas e não conseguir pagá-lo. Assim, O Último Tubarão permanece hoje como um dos muitos exemplos deste cinema realizado com poucos meios, poucos recursos e principalmente pouco dinheiro, mas riquíssimo em ideias, em criatividade e em improviso. Infelizmente, hoje tem muito diretorzinho pretensioso e metido a gênio, inclusive aqui no Brasil, sem a mesma preocupação de divertir as massas que tinham aqueles pobres italianos duas décadas atrás… Pior: torrando milhões de dólares, reais, liras, ienes, muitas vezes às custas do governo!
Ah, e como “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”, o saudoso Bruno Mattei roubou quase todas as cenas de O Último Tubarão e editou-as no seu terrível Tubarão Cruel (lançado como Tubarão 5 em alguns países!!!!), de 1995. Até o tubarão detonando o helicóptero está lá: tudo que o velho picareta fez foi editar as cenas gravadas por Castellari com closes dos atores do “seu” filme. E Mattei, milagrosamente, não sofreu nenhum processo judicial!
NEVER HEARD OF IT
ResponderExcluir