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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

LARANJA MECÂNICA (1971)



                                                                     FICHA TÉCNICA



Título Original: A Clockwork Orange
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 138 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1971
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick
Elenco: Malcolm McDowell, Adrienne Corri, Anthony Sharp, Aubrey Morris, Barrie Cookson, Carl Duering, Carol Drinkwater, Cheryl Grunwald, Clive Francis, Craig Hunter, David Prowse, Gaye Brown, Gillian Hills, Godfrey Quigley, James Marcus.



DISSECANDO O FILME

Significado de Laranja Mecânica:
- segundo a gíria "Cockney" (das arquibancadas dos estádios ingleses dos anos 50) "laranja mecânica" é algo como "porra louca", é o desajustado agressivo e desequilibrado, que odeia as instituições e os seres e os agride. Burguess usou termos desta gíria, palavras russas e expressões ciganas para compor uma linguagem especial no seu livro citado.
- Também segundo o próprio autor do livro:
"...O ser humano é dotado de vontade. E pode usá-la para escolher entre o bem e o mal. Se só pode fazer o bem, ou só pode fazer o mal, é uma laranja mecânica - significa que tem aparência de um organismo adorável, com cor e suco, mas que na realidade é um brinquedo mecânico para ser manipulado por Deus ou pelo Diabo ou (que o está substituindo cada vez mais) o todo-poderoso Estado. É tão inumano ser totalmente bom quanto totalmente mau. O importante é a escolha moral. O mau tem que existir junto com o bem, de modo que a escolha moral possa existir."


"Laranja Mecânica" foi sucesso no mundo inteiro no início da década de 70, o filme foi censurado no Brasil e acabou liberado apenas sete anos depois. Na época do lançamento mundial, em 1971, Kubrick comentou o efeito de Laranja Mecânica nos espectadores: 
''O Alex está dentro de nós. Na maior parte dos casos este reconhecimento cria uma empatia na platéia, mas algumas pessoas se sentem agredidas. Elas são incapazes de aceitar esta visão delas mesmas e por isto começam a brigar com o filme.''
Como outros cineastas como Luis Buñuel, Ingmar Bergman, Woody Allen, também Stanley Kubrick neste seu filme traz referências à teoria freudiana. É uma releitura do ensaio de Freud intitulado: "O Mal-estar da Civilização".


HISTÓRIAS E ANÁLISE 

Nova York, abril de 1989. Um bando de arruaceiros adolescentes espanca e estupra uma jovem executiva americana em pleno Central Park. Resultado: agonizante, ela é hospitalizada. Explicação de um dos atacantes: eles estavam apenas se divertindo. Nova York, dezembro de 1971. Ao comentar o mais novo furor cinematográfico, o crítico da "Time", Jay Cocks, alerta: o cruel protagonista do filme, será num futuro próximo, o típico adolescente, um idólatra do desvairado assassino Charles Manson. Falava de "A Laranja Mecânica" (A Clockword Orange).

O diretor norte-americano Stanley Kubrick encontrara no romance futurista homônimo de Anthony Burgess o substrato para revisitar o grande tema de sua filmografia, que não chegava ao nono título. Toda a obra madura de Kubrick discute "das Unbehagen in der Kultur", "o mal-estar na civilização". (Título de livro de Sigmund Freud). Kubrick procura examinar sob um ponto de vista freudiano histórias com potencial mitológico que tratem de personagens desajustados dada a inescapável repressão instintual exigida pela vida em sociedade. (Vide "Lolita", "O iluminado", "Nascido para Matar"). Mesmo quando este tema não é dominante, como em "Doutor Fantástico" ou "2.001, uma Odisséia no Espaço", é ele que sustenta a discussão kubrickiana, seja da paranóica corrida nuclear ou do futuro da humanidade diante do avassalador progresso tecnológico, respectivamente. Assim como o filme "Nascido para Matar", "A Laranja Mecânica" é uma típica versão cinematográfica do "Bildungsroman", o tradicional romance de formação alemã que acompanha o processo de educação moral e intelectual de um jovem, lapidando-o para o convívio social.

Kubrick, aproveitou esta conhecida estrutura narrativa para aplicá-la a seu modo. Assim, em "Nascido para Matar" assiste-se a mais cruel educação para o assassínio dos jovens "marines" americanos que vão lutar no Vietnã. Já em "A Laranja Mecânica, o processo de domesticação tem um objetivo diverso.
O protagonista Alex (Malcolm MacDowell) é um jovem que teria atingido a alvorada da idade adulta ainda com sua arquitetura psíquica infantil intocada, em estado bruto, o que implicaria a plena liberdade para a expressão de seus instintos. Isso seria uma virtual impossibilidade psicológica, pois as – por assim dizer – forças civilizatórias já se apresentam atuantes desde a mais tenra idade, mas ficção é ficção e assim prossigamos. A primeira parte do filme nos mostra, numa Inglaterra futura, Alex e sua gangue de boçais espancando um velhote bêbado, drogando-se, violentando uma mulher depois de aleijar seu marido escrito, assassinando outra.
Com isso, Alex satisfaz amoralmente seus instintos sexuais e de destruição. Sua prisão após o último crime será uma espécie de segundo parto. Depois de tranqüilos dois anos de cárcere, Alex se candidata a um novo método de condicionamento psicológico que regeneraria definitivamente os criminosos, devolvendo-os pacificados ao convívio social (Método Ludovico). Para Alex, seria este uma espécie de supletivo no princípio da realidade. Mas o experimento behaviorista erra na dose, substituindo a absoluta liberdade instintual pela completa repressão. Violência e sexo passam a provocar vômitos em Alex, que se descobre paralisado, desumanizado como uma laranja mecânica. 
Aproveitando-se desse novo estado, sus vítimas se vingam das cruezas pretéritas e Alex é resgatado de uma tentativa de suicídio por aqueles que o usaram como cobaia. A mais rotineira interpretação de sua "cura" final, assinada entre outros pela ácida Pauline Kael em "The New Yorker", vê Alex voltar a ser o mesmo delinqüente do início, com a diferença de contar agora com a proteção de poderosos padrinhos (o governo inglês, representado pela figura do Ministro da Justiça).

Discordo. O Alex afinal é um adulto civilizado, com seus instintos de destruição e sexuais finalmente represados. Sua violência foi, para usar as palavras de Freud "suplantada pela transferência do poder a unidade maior, que se mantém, unida por laços emocionais entre os seus membros" (em "Por que a Guerra? Carta a Einstein"). Alex aderiu ao essencial pacto civilizatório e a prova disso é que seus devaneios pós-recuperação remetem a uma prática sexual sadia e socialmente aprovada (ele se imagina fazendo amor com uma mulher sob os aplausos de uma multidão).
Pauline Kael também criticou Kubrick por ter "assumido a perspectiva deformada e hipócrita de um jovenzinho depravado". Eis outra observação apressada e superficial. Kael confundiu o narrador do filme (e do livro ) com um pretenso "alter-ego" ou porta-voz exclusivo do autor. Kubrick "fala", naturalmente, através do filme como um todo, do conjunto dos personagens, e se tivéssemos que apontar algum porta-voz, seguindo suas próprias palavras, teríamos que destacar o capelão do presídio. É ele quem alerta expressamente para os riscos de se tentar eliminar a possibilidade do homem exercitar seu livre-arbítrio, questão apontada por Kubrick como central em suas preocupações.

Mas a sempre perturbadora Kael foi voz dissonante quando do lançamento de "A Laranja Mecânica". Kubrick jamais conheceu êxito crítico igual. Houve, contudo, também quem considerasse sue filme uma diluição comercialesca do livro de Burgess. Por certo Kubrick não foi tão original quanto Burgess ao tratar de sua própria arte. Este criou no livro um vocabulário sincrético para a gang de Alex, que faria inveja a James Joyce. O próprio Kubrick reconheceu que sua versão cinematográfica resultou formalmente mais conservadora. Mas equiparar seu filme a qualquer caça-níqueis hollywoodiano com maquiagem futurista é uma estultice. Basta repara a imperturbável organicidade dos elementos ultraestilizados de "A Laranja Mecânica" (décor asséptico, tipos cartunescos, cenas coreografadas, etc.) para que se perceba o raríssimo domínio completo que Kubrick tem sobre seu ofício.
Mesmo não sendo este seu melhor filme, sobretudo por problemas de ritmo devido á excessiva duração, encontram-se aqui inúmeros momentos que se fixam perenemente à memória – como o estupro ao som de "Cantando na chuva" e o bacanal ao som da abertura do "Guilherme Tell" de Rossini. São peças com lugar obrigatório dentro do museu imaginário de todo cinéfilo. De quantas cenas rodadas deste então podemos dizer o mesmo? 


Uma explicação para a atração duradoura de "Laranja Mecânica" é a contemporaneidade intelectual dos temas de que se ocupa. A violência deliberada, a máquina estatal que prefere submeter seus delinqüentes a lobotomia do que lhes permitir o direito de escolha. Os jovens que usam drogas para se prepara para um noite de estupro e pilhagem. Uma sociedade que cura a violência através da criação de robôs morais. Segundo Ron Daniels, que dirige peças de Shakespeare, "A Laranja Mecânica" não é pior do que de Hamlet ou Macbeth. "A peça é uma história admoestatória de uma sociedade que não cuida de seus jovens e não lhes deixa se expressar. É uma fantasia de liberdade, de uma liberdade pavorosa, é uma fábula de retribuição.

O Alex no início é um tipo de Lúcifer, solto num inferno urbano. Ele não sente culpa, não tem escrúpulos nem remorsos, mas como ele mesmo diz, tem que ser destruído. Mas nós respondemos a ele numa maneira ambivalent e, achando-o atraente mesmo quando ficamos revoltados com as coisas que ele faz", diz Daniels. Burgess na apresentação de "A Laranja Mecânica" no palco como peça teatral afirma: "o que parece como uma celebração da violência, pior no palco do que no livro ou filme de Kubrick, inexplicavelmente proibido na Grã-Bretanha, é realmente uma investigação da natureza do livre arbítrio. É um drama teológico.
Quando os seres humanos são impedidos de praticar atos de perversidade eles também são incapazes de desempenhar atos de bondade. Isso porque ambos dependem do que Santo Agostinho chamou de liberum arbitrium – livre arbítrio". Burgess diz que com esta versão teatral e com o filme será acusado de promover a violência entre os jovens . "Um homem que matou seu tio responsabilizou Hamlet de Shakespeare. Um menino que arrancou os olhos de seu irmão culpou uma edição escolar de Rei Lear. Os artistas literários são sempre tratados como se tivessem inventado o mal, mas sua verdadeira tarefa, uma das muitas, é mostrar que o mal existia muito tempo antes que pudessem segurar sua primeira caneta ou usar seu primeiro word processor. Se um escritor não contar a verdade é melhor que não escreva".

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