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sexta-feira, 13 de março de 2015

QUADRILHA DE SÁDICOS NO CINEMA (1977/1984/2006/2007)


QUADRILHA DE SÁDICOS (1977)

Título Original: The Hills Have Eyes
Ano: 1977 • País: EUA
Direção: Wes Craven
Roteiro: Wes Craven
Produção: Peter Locke
Elenco: Suze Lanier-Bramlett, Robert Houston, John Steadman, Janus Blythe, Peter Locke, Russ Grieve, Virginia Vincent, Dee Wallace, Brenda Marinoff, Michael Berryman, Lance Gordon, Cordy Clark

ANÁLISE

“Uma típica família americana. Eles não queriam matar. Mas também não queriam morrer.” A fantástica e sintética frase no cartaz original de Quadrilha de Sádicos já mostra ao espectador o que esperar do segundo filme “oficial” do diretor americano Wes Craven, realizado no auge das produções nuas e cruas de horror dos anos 70 – no caso, 1977. Hoje, ironicamente, a tal frase foi substituída, na capinha do DVD americano, por um singelo “Do diretor de A Hora do Pesadelo e Pânico“, comprovando que os tempos são outros e que Craven não é mais famoso por ter assinado duas das mais importantes produções americanas independentes da década de 70 (Last House on the Left/Aniversário Macabro e Quadrilha de Sádicos), mas sim por seus filmes comerciais mais recentes, um sucesso entre os adolescentes da “nova geração“.

Todo mundo já está careca de saber que a década de 70 foi uma das mais prolíficas para o cinema de horror americano. O tempo dos hippies e sua pregação de “paz e amor” já era; os EUA viviam uma época negra de pessimismo e desesperança, principalmente graças ao massacre de seus jovens na Guerra do Vietnã e à corrupção de seus governantes desvendada pelo rumoroso Caso Watergate; mas ainda havia conflitos raciais varrendo o país, recessão, a crise de energia… Alguns cineastas do período sintetizaram bem esta sensação de desesperança e preocupação numa série de filmes baratos e chocantes. No gênero horror, o que se viu foi uma mudança drástica: filmes com ameaças sobrenaturais, casas mal-assombradas e fantasmas deram lugar a produções mais realistas, onde seres humanos matavam seres humanos, e onde o alvo da violência normalmente era uma das mais sagradas instituições americanas, a família. No caso de Quadrilha de Sádicos, uma típica família americana que não queria matar – e muito menos morrer!

Quadrilha de Sádicos foi exibido nos cinemas brasileiros, lançado em VHS pela Look Vìdeo (a fita é e sempre foi uma raridade) e até exibido pela Rede Globo no Supercine de áureos tempos imemoriáveis. Até andava meio esquecido, mas voltou à ordem do dia graças ao remake realizado em 2005 pelo diretor francês Alexandre Aja (de Haute Tension). Como sempre acontece quando sai uma refilmagem, toda uma nova geração fica animada para conhecer o original, já que a velha fita está sendo vendida a preço de ouro .

Comparando com a atualização sangrenta feita pelo francês Aja, esta famosa obra sobre a titânica luta entre duas famílias – uma comum, outra selvagem, mutante e canibal – pode até ter envelhecido no seu acabamento visual, efeitos (usa aquele sangue vermelhão característico da época) e na própria abordagem da violência. Mas mantém-se, historicamente, como uma das mais furiosas histórias de horror contadas naquele famoso período de cinema “realista” – ou seria “sensacionalista“? Aliás, vale destacar que Craven é um dos únicos diretores (ao lado apenas, talvez, de George A. Romero) a ter dois filmes citados em qualquer lista dos melhores dos anos 70, e que são justamente as suas duas primeiras obras (Last House… e Quadrilha…), ao lado de clássicos como O Massacre da Serra Elétrica, Dawn of the Dead e Alien.

O que a “nova geração” certamente não vai perceber ao ver Quadrilha de Sádicos, o original, é a importância que o filme teve numa época em que fazer cinema de horror era visto quase como uma transgressão. Se hoje o cineasta francês que refilmou a obra não teve maiores problemas além da chata censura americana – que exigiu cortes em algumas cenas -, lá atrás, nos anos 70, a história era outra. Quadrilha de Sádicos era absolutamente chocante para o período em que foi feito, embora hoje o espectador mais acostumado com as doses maciças de violência e brutalidade possa até achar um tanto parado – uma injustiça! Craven foi na contramão de tudo o que se fazia no gênero naquela época, realizando uma de suas obras mais viscerais e aterrorizantes. Tanto que o filme serviu de inspiração para dezenas de outras histórias “parecidas“, inclusive Pânico na Floresta e Detour – Rota 666.

A concepção de Quadrilha de Sádicos começou em 1975, quando Wes Craven ajudou um jovem produtor chamado Peter Locke a dirigir o filme pornográfico Angela – The Fireworjs Woman. Apesar de dirigir boa parte das cenas, Craven não quis ter seu nome nos créditos. Vale lembrar que o cinema “adulto” não era novidade para o diretor, já que seu filme “não-oficial” de estreia foi Together, um pornô softcore dirigido em parceria com Sean S. Cunningham em 1971 (antes de Last House on the Left), com Marilyn Chambers no elenco. Locke conhecia a fama de Craven graças ao brutal Last House on the Left, que por muito tempo deu fama de maluco e sádico ao jovem cineasta. Sabendo que era o horror era um gênero popular para o público da época (a geração “drive-inn“), Locke ofereceu-se para produzir um novo filme de terror escrito e dirigido por Craven.

Mas o criador de Quadrilha de Sádicos não estava interessado em fazer algo na mesma linha de Last House on the Left. “Aquele filme foi tão controverso que as pessoas me olhavam como se eu fosse louco. Eu não queria fazer outro filme de horror. Resisti até que estava quebrado financeiramente, e então Locke me procurou novamente e disse para escrever uma história sobre o deserto“, lembrou Craven, entrevistado num dos featurettes que acompanham a luxuosa edição importada de Quadrilha de Sádicos. O diretor foi, então, buscar subsídios na Biblioteca Pública de Nova York, e lá encontrou relatos sobre Sawney Beane, um escocês que viveu entre os séculos 14 e 15, e ficou aprisionado numa região montanhosa junto com a família (contando esposa e filhos, era um total de 16 pessoas). Para sobreviver, eles atacavam outras expedições que passavam pelo local e devoravam suas vítimas. Isso aconteceu durante 25 anos, até que toda a família foi presa por ordem do rei e brutalmente torturada e morta. Foi isso que mais interessou Craven: o fato de a reação dos “homens civilizados” ser tão ou mais horrível do que os atos cometidos pelos canibais, numa história de vingança extrema que chega a lembrar o final de Last House on the Left. “Os mais civilizados podem ser os mais selvagens, esta é a ideia“, confirma o diretor, ainda na entrevista que acompanha o DVD.

O resto é história: Peter Locke levantou um orçamento de míseros 230 mil dólares (nada mal, considerando os US$ 87 mil de Last House on the Left), e Craven, com uma equipe de no máximo 15 pessoas (!!!), se mandou para o Deserto de Mojave, na Califórnia, para filmar aquele que muitos consideram seu clássico absoluto. Inicialmente, o filme se chamaria Blood Relations (“Relações de Sangue”), o que, de certa forma, espelha bem o tema do conflito entre as duas famílias – a “boa” e a “má“. Posteriormente, sem o consentimento de Craven, o título foi mudado para The Hills Have Eyes (“As Colinas têm Olhos”). No Brasil, virou Quadrilha de Sádicos, título meio bobo, considerando que os sádicos não são exatamente uma Quadrilha, mas principalmente uma família. E não são nem tão sádicos, já que fazem o que fazem por instinto de sobrevivência, como os animais selvagens (será que um crocodilo que ataca e devora uma pessoa é “sádico“?).

Quadrilha de Sádicos tem início num daqueles postos de gasolina perdidos no meio do deserto. Verdadeira espelunca, o “Oásis do Fred” anuncia ser o último posto por 200 milhas. É ali que encontramos dois dos personagens centrais da história: o próprio Fred (John Steadman, morto em 1993) e uma garota esquisita, coberta de peles de animais, chamada Ruby (Janus Blythe, que fez Eaten Alive, de Tobe Hooper, no mesmo ano). Logo descobrimos que Ruby é uma espécie de selvagem que vive nas montanhas com sua família, e tenta trocar com Fred alguns itens roubados de pessoas que passaram pela região, tentando obter comida e combustível. Fred argumenta que não fará mais trocas porque está deixando aquele lugar, porque as ações da família estão chamando a atenção dos militares, e até aquele momento o espectador não entende direito o que eles estão falando. É então que Ruby ameaça: “Se Papa Júpiter souber que você está fugindo, ele vai arrancar os seus pulmões“. O diálogo é então interrompido pela chegada de um carro que reboca um trailer. É a família Carter.

“Big Bob” Carter (Russ Grieve, de Foxy Brown, morto em 1980) é um veterano policial aposentado de Cleveland que resolveu tirar umas férias com a família em Los Angeles, fazendo todo o percurso de trailer para aproveitar a paisagem. Ele está acompanhado da esposa Ethel (Virginia Vincent) e dos filhos Brenda (Susan Lanier), Bobby (Robert Houston, que hoje dirige vídeos da Playboy) e Lynne (Dee Wallace-Stone, de ET e Criaturas); Lynne trouxe na viagem o marido, o almofadinha Doug Wood (Martin Speer), e a filha recém-nascida Katy. Ah sim: os Carter também viajam com dois cães, chamados Beauty e Beast (sim, Bela e Fera!!!). Enquanto Fred enche o tanque, Big Bob comenta que pretende pegar um atalho pelo deserto para olhar algumas velhas minas de prata que existiam na região. O dono do posto de gasolina tenta a todo custo dissuadi-lo, recomendando que fique na estrada principal e não vá pelo deserto. Big Bob, é claro, não escuta a sugestão.

A família Carter resolve cruzar o deserto por uma precária estrada secundária. Doug e Bobby ficam no trailer com os cães, e no carro vão Big Bob, Ethel, Lynne e Brenda, mais o bebê. Examinando um mapa, Brenda descobre que aquela região foi e ainda é usada como área para testes militares de vôo e tiro – além de testes nucleares! Neste momento, um supersônico cruza o céu e o barulho apavora Big Bob; as mulheres no carro gritam, o mapa voa e encobre a visão do motorista, e pronto: o carro sai da estrada e uma das rodas fica destruída. “Trabalhei anos numa das delegacias mais barra-pesada de Cleveland. Até levei dois tiros dos meus próprios parceiros. Mas nenhum deles chegou mais perto de me matar do que minha maldita esposa com seu maldito mapa rodoviário!!!“, esbraveja o patriarca dos Carter, cuspindo fogo de raiva. A família agora está isolada no meio do nada. E não estão sozinhos: vultos ameaçadores observam tudo com binóculos e comunicando-se com walkie-talkies

Sem nada para fazer, numa época em que não havia GPS nem telefone celular (apenas radioamador), os Carter vêem-se obrigados a buscar ajuda. Big Bob e Doug deixam o local do acidente caminhando cada um para um lado; o patriarca da família volta no sentido contrário, tentando chegar ao posto de Fred, enquanto Doug avança na tentativa inútil de encontrar alguma casa ou oficina. Antes de se separarem, os Carter trocam um abraço e uma oração pedindo proteção. E Big Bob encarrega o filho Bobby de tomar conta das mulheres da família, deixando-lhe uma pistola para vigiar o “acampamento“. Aquela é a última vez em que toda a família Carter se reúne. Quando Big Bob e Doug já estão bem longe, um dos cães, Beauty, é atraído para as colinas, aparentemente farejando alguma coisa. Bobby corre atrás do cachorro, mas só encontra uma carcaça com o bucho aberto e as tripas para fora. Assustado por um vulto que salta detrás de uma pedra, o garoto corre, se desequilibra e cai nas pedras, perdendo os sentidos. O pesadelo está para começar.

A cena envolvendo Beauty, mesmo simples, é uma das mais revolucionárias de Quadrilha de Sádicos. Historicamente, este foi um dos primeiros filmes americanos a mostrar um animal sendo morto, uma espécie de tabu da época (quando as pessoas podiam ser “mortas” à vontade, porém não os animais). Assim, ao matar um dos cães logo no início, o filme já chocava de começo as conservadoras plateias da época, que deviam pensar: “Se o cachorro foi morto, o que mais pode acontecer?“, temendo também pelo destino do bebê de Doug e Lynne. Para arrematar, Craven utilizou um cachorro real na cena: ele comprou um cão morto do xerife da cidadezinha onde a equipe ficava, abriu a barriga do animal e filmou a cena bem realista, que pode até parecer inocente se comparada à matança real de animais nos filmes italianos do mesmo período, mas era algo grotesco para o cinema americano da época – posteriormente, em 1979, Francis Ford Coppola provocaria polêmica ao mostrar um boi sendo morto de verdade a golpes de facão em seu clássico Apocalypse Now.

Morto o cachorro, a próxima vítima dos misteriosos assassinos das colinas é Big Bob. Já é noite quando ele chega no “Fred’s Oasis” e encontra o velho proprietário do estabelecimento tentando cometer suicídio por enforcamento. Ele salva o velho enquanto esbraveja: “Tire seu maldito pescoço deste laço, seu imbecil!“. Em “retribuição“, Fred resolve lhe contar a sua triste história: um de seus filhos, que nasceu gigantesco e “peludo como um macaco“, aprontou o diabo, inclusive matando a irmã num incêndio. Fred vingou-se esmagando seu rosto com uma barra de ferro, porém o garoto não morreu. Foi, então, abandonado no deserto, onde acabou crescendo e gerando sua própria família – a quem, eventualmente, o velho ajudava, talvez por ainda manter um sentimento primitivo de família. Fred mal acaba de contar sua história e uma figura grotesca, com uma enorme cicatriz no meio do rosto, atravessa a janela (numa cena assustadora!) e agarra o velho com gritos animalescos, somente para depois esmagar sua cabeça a golpes de pé-de-cabra. Big Bob, que não é bobo nem nada, tenta dar uns tiros no misterioso invasor, sem atingi-lo.

Esta cena representa, ao mesmo tempo, a síntese do conflito familiar de Quadrilha de Sádicos e também um grande tabu. Ali, aconteceu o encontro entre os dois patriarcas: Big Bob, representando os Carter, e o violento Júpiter (James Whitworth), o líder da “Quadrilha de Sádicos“. Ali, também, Júpiter resolve dar ao seu próprio pai, Fred, o que ele merecia por tê-lo abandonado no deserto anos antes, retribuindo a gentileza e esmagando a cabeça do velho com uma barra de ferro.

Neste ínterim, Doug volta ao acampamento da família depois de caminhar quilômetros sem encontrar ninguém. Bobby, que há algum tempo também havia voltado para junto da família, ficou quietinho sobre a morte de Beauty, na tentativa de não assustar ainda mais a mãe e as irmãs. Só Big Bob demora a voltar, mas há uma explicação para isso: ele foi aprisionado por Júpiter e, neste momento, está na sua caverna conhecendo os outros membros da “família“: Ruby, apresentada no início do filme, é a ovelha-negra que não gosta de matar e queria viver na civilização; Pluto (Michael Berryman, que é feio na vida real) é um rapaz deformado; Mars (Lance Gordon), um assassino sádico; Mercury (o próprio produtor Peter Locke, usando o pseudônimo “Arthur King“) é um demente que se veste como índio, e a Mamãe (Cordy Clark), que cuida da caverna. Todos vestem trapos, peles de animais e “souvenirs” das vítimas, como orelhas ressecadas e dentaduras, além de balas e projéteis do Exército recolhidas no local. O leitor atento vai perceber que os homens têm nomes de planetas – Júpiter, Marte, Mercúrio e Plutão.

É quando acontece a cena mais famosa e infame de Quadrilha de Sádicos, o ataque ao trailer da família, que está sendo utilizado como o último refúgio seguro dos Carter naquele deserto perdido e selvagem. O próprio Big Bob serve de isca para atrair os outros homens da família; quando a maior parte dos Carter sai do trailer, Pluto e Mars estão livres para entrar e abusar (no mau sentido mesmo) da hospitalidade da família – pelo menos dos que lá ficaram. Sobra para o bebê e para a pobre Brenda, que dorme na cama quando é atacada pelos dois canibais. A jovem aparentemente é estuprada, embora o crime em si não seja mostrado (Craven pegou leve provavelmente depois das críticas às cenas fortes de Last House on the Left). Paralelamente, os vilões fazem a maior zona, quebrando tudo, recolhendo qualquer coisa que possa servir como arma (facões, machadinhas), comendo carne crua da geladeira e até um dos pássaros de estimação dos Carter, que é tirado da gaiola e devorado vivo por Mars!

O assalto ao trailer termina trágico quando Lynne e sua mãe voltam para lá e tentam deter os dois psicopatas e salvar o bebê, que os vilões querem sequestrar. Consuma-se a tragédia que irá reduzir drasticamente aquela pobre família americana… Com várias perdas e o bebê raptado, os Carter sobreviventes resolvem esperar pelo amanhecer para responder à agressão na mesma moeda, caçando e matando a família de canibais – que naquele momento está se preparando para devorar a pobre criança na Ceia de Ação de Graças! A partir de então, qualquer noção de civilização, sociedade e perdão desaparecem para dar lugar à fúria, à raiva e à selvageria. No final, após o devido derramamento de sangue, os sobreviventes não serão mais pessoas comuns, e sim selvagens assassinos. “Eles não queriam matar. Mas também não queriam morrer“, lembra? Na conclusão, até o segundo cão dos Carter, Beast, manifesta um obsessivo desejo de vingança, ajudando a dar o troco nos vilões – e inclusive matando ferozmente alguns deles!

Quadrilha de Sádicos já foi um filme bastante violento (em matéria de sangue e maquiagem), mas há muito tempo foi ultrapassado pelos excessos do horror atual. Embora até existam algumas cenas mais arrepiantes, como a que envolve um tendão-de-aquiles mutilado (brrr…), os fanáticos por gore e violência vão se decepcionar um pouco. A exemplo de Last House on the Left, o foco está mais na brutalidade do que nos litros de sangue em si, com um nível de realismo tão grande que o espectador é levado a acreditar que os atores estão mesmo enfurecidos, enlouquecidos e incontroláveis. A cena em que Brenda e Bobby atacam um dos canibais mostra bem essa ferocidade: você quase sente pena do vilão quando ele é primeiro arrastado por um cabo de aço, depois incendiado, mais tarde atingido a machadadas e, finalmente, abatido a tiros. É uma fúria tão incontrolável e vingativa que os atores parecem estar dentro do papel, berrando, brigando e se matando de verdade – duvido que ninguém tenha saído sem arranhões e ferimentos destas cenas mais “nervosas“.

O filme também parecerá um tanto lento para os espectadores da nova geração, acostumados à edição MTV e mortes sem pé nem cabeça a cada cinco minutos. Wes Craven vai construindo o clima de tensão lentamente, tirando aos poucos os elementos que dão segurança aos personagens no meio daquele deserto perdido: primeiro o carro, que os deixa sitiados; depois o trailer, que funcionava como uma espécie de fortaleza para que eles resistissem aos ataque dos inimigos. E quando são destituídos de todos estes elementos da civilização (carro, trailer, rádio…), os “civilizados” Carter se encontram perdidos, à mercê de seu próprio destino e da natureza, transformados, contra a própria vontade, em selvagens. Até lá, o filme leva uns bons 45 minutos construindo a situação básica, com os canibais cercando suas vítimas aos poucos e esperando o momento certo para atacar. Quando o inferno começa, entretanto, é de roer as unhas. Poucos finais de filmes foram e são tão tensos e agoniantes quanto o de Quadrilha de Sádicos.

Por isso, uma ressalva: apesar da sua fama, Quadrilha de Sádicos é um filme muito mais de suspense do que propriamente de sangue e tripas. Sabe-se que, originalmente, a brutalidade seria maior (como se fosse possível). O primeiro corte do diretor recebeu certificação “X” da censura, e teria que ser exibido como se fosse pornô, rigorosamente proibido para menores. Como o produtor Locke temia pelo naufrágio nas bilheterias, conseguiu convencer Craven a cortar algumas cenas mais fortes (provavelmente algo do estupro anteriormente citado), garantindo uma certificação mais branda, mas ainda assim rigorosa (“R“). E quem sonha com uma versão “uncut” pode esquecer: tanto Locke quanto Craven já disseram, em entrevistas, que as tais cenas cortadas foram perdidas.

Em comparação, Quadrilha de Sádicos é bem menos violento e sádico que o trabalho anterior do diretor, o chocante Last House on the Left. Mas, em comparação, Quadrilha de Sádicos é um soco no estômago se comparado a outros filmes mais convencionais que ele faria depois, incluindo a trilogia Pânico. E é interessante constatar como as obras de Craven em cada época têm pouco ou nada em comum entre si – ou alguém acha que Pânico, Swamp Thing e Quadrilha de Sádicos têm algo em comum? Embora alguns poucos detalhes sejam perceptíveis na maioria dos filmes do diretor, incluindo armadilhas criativas usadas pelos personagens principais contra os vilões (que já apareciam em Last House on the Left e estão também em Quadrilha de Sádicos), Craven depois se entregaria a um cinema cada vez mais convencional e preguiçoso. Se tivesse parado em Last House on the Left e Quadrilha de Sádicos, Wes Craven seria um dos maiores mestres do horror da história.

Porém, é impossível não perceber várias similaridades deste famoso trabalho de Craven com um outro clássico daquele período, O Massacre da Serra Elétrica, dirigido por Tobe Hooper em 1974. Os dois filmes mostram pessoas fora de seu ambiente natural (uma família no de Craven e um grupo de amigos no de Hooper) sendo atacados por um clã de canibais selvagens. Não são apenas estes detalhes do roteiro que os dois filmes têm em comum, mas também a presença do diretor de arte Robert A. Burns (que suicidou-se em 2004). O texano Burns aproveitou alguns elementos “decorativos” da casa de Leatherface e sua turma, como esqueletos, medulas e crânios, para “enfeitar” a caverna onde vive a família de Júpiter & cia.

Quadrilha de Sádicos é um filme que foi feito com o intuito de chocar. Além da antológica cena do cachorro estripado, Craven ainda tem coragem de colocar um bebê recém-nascido em meio às cenas de violência e, para piorar, como candidato a “jantar” dos canibais. Soma-se a isso a intensa crueldade dos vilões e heróis – numa cena, Mars chega a ameaçar um tiro na boca de Brenda, que só não se consuma porque a arma está descarregada; com um risinho, ele diz: “A gente se encontra mais tarde, garotinha!“. A exemplo do episódio real envolvendo a família Beane, que inspirou Craven, o filme tenta uma abordagem mais imparcial: a família de canibais não é propriamente má, e sim um bando de selvagens que, como animais, matam quem invade o seu território e matam para comer, não por gostar daquilo ou por puro sadismo. Guardadas as devidas proporções, é outra “típíca família americana“, como os Carter.

Ironicamente, o próprio Wes Craven destruiria este fascinante trabalho durante a sua fase mais decadente (em meio aos anos 80, logo depois do sucesso de A Hora do Pesadelo). Foi em 1985 que ele escreveu e dirigiu Quadrilha de Sádicos 2, uma sequência vergonhosamente apelativa e gratuita, que depois o cineasta confessou ter feito apenas por dinheiro. O roteiro chega a “ressuscitar“, sem maiores explicações, alguns personagens mortos na conclusão do original, traz de volta os sobreviventes sem aproveitá-los na trama principal e chega ao cúmulo de usar uma famosa – de tão constrangedora – cena de flashback de um cachorro!!! Porém o mais arrepiante é saber, por meio da atriz Janus Blythe (nos extras do DVD importado), que os produtores sugeriram fazer um terceiro filme, que levaria a família de canibais… para o espaço!!! Isso mesmo, 15 anos antes de Jason X! Se tivesse feito este terceiro capítulo, e no espaço ainda por cima, Wes Craven não só levaria seus mais famosos personagens para o espaço, mas provavelmente também a sua carreira…

QUADRILHA DE SÁDICOS 2 (1984)

Título Original: The Hills Have Eyes Part II
Ano: 1984 • País: EUA, UK
Direção: Wes Craven
Roteiro: Wes Craven
Produção: Barry Cahn, Peter Locke
Elenco: Tamara Stafford, Kevin Spirtas, John Bloom, Colleen Riley, Michael Berryman, Penny Johnson, Janus Blythe, John Laughlin, Willard E. Pugh, Peter Frechette, Robert Houston, Suze Lanier-Bramlett

ANÁLISE

Numa daquelas ironias que volta-e-meia acontecem no mundo do cinema, o mesmo Wes Craven que revolucionou o horror de baixo orçamento norte-americano com o clássico moderno A Hora do Pesadelo em 1984 – dando origem a um dos mais famosos vilões daquela geração, Freddy Krueger – havia recém dirigido uma bomba monumental, um retrocesso na sua carreira e no próprio gênero, uma continuação maldita e ingrata de um dos clássicos da sua primeira fase como cineasta, Quadrilha de Sádicos, lançado em 1977. A sequência, batizada “criativamente” de Quadrilha de Sádicos 2, é presença garantida em qualquer coletânea das piores continuações da história, e uma amostra de como até um cineasta visualmente criativo, como Craven, pode cair nas armadilhas do dinheiro fácil.

Sim, porque o próprio Wes Craven declarou que fez Quadrilha de Sádicos 2 apenas para faturar um cheque com alguns milhares de dólares, pois estava numa fase de vagas magras pós-fracasso de O Monstro do Pântano (1982) e praticamente não recebia ofertas de trabalho. Por isso, declarou Craven, se naquela época lhe oferecessem um roteiro chamado Godzilla em Paris, ele filmaria sem pensar duas vezes. Um cara de princípios, não é mesmo? Com roteiro do próprio diretor, e produção do mesmo Peter Locke responsável pelo original, Quadrilha de Sádicos 2 é um filme dirigido sem qualquer vontade, criatividade ou ousadia. Custou muito mais que o original (cerca de US$ 1 milhão) e, em comparação, vale muito, muito menos.

O roteiro segue a “cartilha para sequências desnecessárias” de cabo a rabo: traz de volta alguns personagens sobreviventes do original (mesmo um que tinha morrido no original!), utiliza cenas do primeiro em flashback, ressuscita os vilões sem explicar o que eles fizeram no tempo que separa um filme do outro, etc etc, sempre deixando no ar a sensação de que estamos vendo uma produção sem a menor necessidade de existir – até porque é bem diferente da proposta do original, sendo que o original já terminava de maneira bastante satisfatória, sem deixar gancho para uma sequência. E Craven erra a mão mesmo quando segue fielmente os passos da cartilha anteriormente citada. Ele traz de volta alguns sobreviventes do primeiro filme, mas raramente os coloca fazendo parte da trama principal (!!!), preferindo criar um novo e descartável grupo de personagens – que está lá apenas para morrer. Ele utiliza cenas do original em flashback, mas o faz de maneira insuportavelmente amadora e repetitiva. Talvez consciente de que o original é muito superior a esta bombástica Parte 2, Craven simplesmente foi colocando uma sequência infinita de cenas de Quadrilha de Sádicos (que acabam sendo a melhor coisa da sequência!) como se os personagens estivessem se lembrando dos traumas que viveram no passado. E, em determinado momento, no que já se transformou num verdadeiro “momento trash clássico“, até o cachorro da família do filme original tem um flashback!!! 

A trama de Quadrilha de Sádicos 2 situa-se oito anos após os eventos da primeira parte. Para quem não lembra, o primeiro Quadrilha de Sádicos mostrava como a família Carter, uma típica família americana, se perdia no deserto de Mojave, com seus integrantes sendo perseguidos, caçados e mortos por uma família de canibais mutantes que vivia nas colinas. No final, os Carter sobreviventes davam o troco e dizimavam os canibais, ajudados por uma dissidente dos vilões, a “boazinha” Ruby (Janus Blythe). Se você não lembra do original, não se preocupe: esta sequência inicia com um letreiro chupado do clássico O Massacre da Serra Elétrica, onde um narrador com voz tétrica anuncia que “a história foi baseada em fatos reais“, e faz um breve resumo da trama do primeiro filme. O texto finaliza assim: “E os que sobreviveram jamais poderão esquecer que naquele deserto desconhecido, longe das cidades e estradas, as colinas ainda têm olhos…“, numa citação ao título original da película.

Quando a Parte 2 realmente inicia, vemos Bobby Carter (Robert Houston), o caçula da família, contando sua história para um psiquiatra (David Nichols); neste momento, entra o primeiro de uma série de flashbacks com cenas do filme original – mostrando como Bobby e sua irmã Brenda mataram Júpiter, o patriarca do clã de vilões. Depois, Bobby explica que faz parte de um grupo de motociclistas que vai disputar uma corrida no deserto (claro…), onde os pilotos querem testar um novo combustível desenvolvido pelo próprio Bobby, o “Super Formula” (ai, ai…). Entretanto, a simples menção da palavra “deserto” fez com que Bobby remoesse seus traumas e medos mais profundos. Como todo psiquiatra de produção classe B, o doutor convence o rapaz de que o pesadelo já terminou, que os psicopatas estão mortos e que não há problema algum em ir ao deserto, que ele deve combater seus conflitos internos e traumas, enfim, aquela baboseira de sempre. “O que mais é preciso para convencê-lo? Eles estão todos mortos. O bicho-papão está morto!“, diz o psiquiatra. Sim, claro!

Vale ressaltar que Brenda, a irmã de Bobby vista no flashback (e interpretada por Susan Lanier lá em 1977), simplesmente desapareceu da trama, assim como seu cunhado Doug e a bebê Katy (os outros sobreviventes do original), sem que qualquer menção ou explicação razoável seja feita pelo roteiro. É que a história prefere apresentar o tal novo grupo de personagens – desta vez, adolescentes bobalhões, no estilo Sexta-Feira 13. Eles fazem parte do grupo de motociclistas e mecânicos comandado por Bobby. Primeiro, numa tentativa de suspense ridiculamente amadora, o filme nos apresenta Roy (Kevin Spirtas, que apareceu na série podreira Subspecies). Pois Roy, usando uma máscara monstruosa, escala a janela do quarto da namorada Cass (a gatinha Tamara Stafford) para dar-lhe um susto. O detalhe, conforme ficamos sabendo em poucos segundos, é que Cass é CEGA! Então por que motivo, razão e circunstância Roy estava tentando dar um susto na moça usando uma máscara monstruosa que ELA NÃO PODERIA ENXERGAR???? Grrrrrrrrrr!

Uma cena de sexo off-screen depois, e o roteiro rapidamente apresenta os outros integrantes da equipe, um grupo de jovens tão imbecil e descartável que nem valeria a pena citá-los, mas vamos lá: temos Harry (Peter Frechette), o piadista do grupo, sempre pregando peças nos demais (um clichê surgido com o personagem Ned, do primeiro Sexta-Feira 13); sua namorada Jane (Colleen Riley); o casal negro Foster (Willard Pugh, que fez o prefeito em Robocop 2) e Sue (Penny Johnson, recentemente vista no seriado 24 Horas), além do piloto metido a hippie chamado Hulk (John Laughlin). Também integram a equipe a namorada de Bobby, Rachel (Janus Blythe), e até o cachorro pastor-alemão sobrevivente do original, Beast (que, pela idade canina, oito anos depois, deveria ser um caco-velho de cão, mas continua em plena forma física, força e voracidade). Não é preciso ser muito observador para perceber que Rachel é muito parecida com Ruby, a única sobrevivente da família canibal no primeiro filme – até porque a personagem é interpretada pela mesma atriz. E embora o roteiro subestime a inteligência do espectador, fazendo com que esta revelação seja uma espécie de “surpresa” apresentada mais adiante na trama, Rachel e Ruby são exatamente a mesma pessoa. Aparentemente, os Carter sobreviventes resolveram levar a moça para a civilização, e Bobby começou a namorar com ela tão logo Ruby/Rachel esqueceu certos hábitos do passado – tipo comer carne humana. hehehehe

Preguiçoso que só ele, o roteiro logo arruma uma forma de sacar Bobby fora da trama principal – chorando e amedrontado, ele tem mais alguns flashbacks do original (desta vez, do ataque dos canibais ao trailer da sua família) e se recusa a ir para o deserto com receio de enfrentar seus traumas. E cabe a Rachel escoltar o grupo na viagem. Aí entra um outro furo do roteiro vergonhoso de Craven: enquanto os outros personagens acham que a história da família de canibais do deserto é uma lenda urbana, tudo bem; mas, caramba, Rachel/Ruby sabe, com certeza absoluta, que a história é real, já que era uma integrante da família!!! E sabendo que o clã existiu mesmo, por que Rachel/Ruby guiaria um novo grupo ao local, sabendo que eles poderiam correr perigo de vida??? Grrrrrrrr! Como não adianta esperar muita lógica da trama, logo o grupo está todo num velho ônibus escolar a caminho do local da corrida. Só que, em mais uma prova da “extrema inteligência” do roteiro, eles descobrem que estão uma hora atrasados para o evento – por causa do “horário de verão” dos gringos, que por lá tem outro nome (“Daylight Savings” ou algo do gênero). Assim, para chegar a tempo no local da corrida, a única solução – claro… – é cortar caminho pelo meio do deserto, deixando a rodovia para trás. Inteligente, não? No caminho, um deles ainda comenta a suposta lenda urbana envolvendo o local: “Vocês já ouviram aquela história da família que vivia na área militar e comia todos que passavam por lá?“. Neste momento, Rachel dorme e tem um flashback de quando era Ruby, a filha caçula do clã canibal… Sim, mais um flashback!

Mal o ônibus começa a transitar pela estradinha secundária, uma pedra convenientemente atinge o tanque de combustível, abrindo um rombo que inicia um vazamento de gasolina. Este contratempo obriga o grupo a parar e pensar em uma solução, já que não terão combustível para chegar à “civilização“. Embora tenham litros e litros do “Super Formula” criado por Bobby no bagageiro, eles não podem encher o tanque do ônibus pois o veículo supostamente “não aguentaria o tranco”, mas o roteiro não se preocupa em explicar a razão – e, pior, as motos suportam perfeitamente o combustível! A solução encontrada pelos baiacus é dirigir até uma velha mina abandonada para discutir o caso, onde Harry, o brincalhão da turma, prefere ficar dando sustos gratuitos em todo mundo (mais assustador que suas brincadeiras, só mesmo o horrendo óculos estilo “Ambervision” que ele usa). E é na velha mina que Rachel/Ruby tem seu primeiro encontro com um integrante de sua família original, o feioso Pluto (novamente interpretado pelo deformado Michael Berryman). Nesse ponto, você pára e pensa: “Calma lá! Beast matou Pluto no primeiro filme, rasgando sua garganta!”. E foi isso mesmo. Mas, como eu escrevi anteriormente, o roteiro desta sequência não se preocupa muito com a lógica: usando cenas do original em flashback, reeditadas de maneira conveniente, tenta mostrar que Pluto não foi morto por Beast, e sim salvo na última hora por Júpiter!!! Grrrrrrrrr! E então Pluto ameaça Rachel/Ruby, mas é agredido, consegue escapar e, acredite se quiser, rouba uma das motos e sai pilotando velozmente pelo deserto!!! Sim, é isso mesmo: Pluto, um canibal que nasceu e cresceu nas colinas do deserto sem qualquer contato com a civilização, consegue, de uma hora para a outra, pilotar uma veloz motocicleta que nem motoristas com certa prática conseguem!!!!! Grrrrrrrr!

Pior mesmo é que o restante do grupo trata aquele invasor sem o menor sinal de preocupação. Roy e Harry simplesmente saltam em suas motos e começam a perseguir Pluto pelo deserto, ignorando o perigo que correm. O psicopata é alcançado, toma uma sova de Roy e só não é morto porque o “herói” do filme é mesmo muito burro; enquanto isso, Harry cai numa armadilha preparada por um personagem misterioso e morre esmagado por um enorme bloco de pedra. Epa! “Personagem misterioso”? É isso mesmo! Acredite se quiser, mas nesta sequência temos a aparição de um novo integrante da família de canibais, um grandalhão com uma testa enorme chamado Reaper (John Bloom, morto em 1999), e que vem a ser (ai, ai, ai…) IRMÃO MAIS VELHO do Júpiter do primeiro filme (logo, tio de Pluto e de Rachel/Ruby). Além de a família não fazer qualquer citação ao tal Reaper no original, tem uma outra pegadinha: quando o velho Fred conta sua triste história a Big Bob Carter, no começo de Quadrilha de Sádicos (lembra?), ele diz que sua esposa não teve nenhum outro filho deformado antes ou depois de Júpiter. Então de onde diabos o Reaper nasceu? Será que foi trazido pela cegonha??? Grrrrrrrr!

Anoitece e Roy e Harry não retornam à velha mina – Harry porque foi morto, e Roy porque foi desacordado por Reaper. E o restante do grupo nem se preocupa com o fato! Quer dizer: foi comprovado que existem psicopatas canibais morando nas colinas; um deles tentou matar Rachel/Ruby e ainda roubou uma moto do grupo; não há como sair dali e nem armas para eles se defenderem. E, mesmo assim, os jovens continuam levando tudo na brincadeira, caminhando sozinhos de um lado para o outro, no escuro, saindo para transar e até para tomar banho! Quer dizer, você está no meio do nada, cercado por canibais psicopatas assassinos, e se preocupa com a higiene corporal??? Tsc, tsc, tsc… É neste momento que Rachel confessa ao grupo que, na verdade, chama-se Ruby e é uma ex-integrante da família de canibais, Porém, surpreendentemente, ninguém acredita na sua história; na verdade, acham que ela está usando drogas!!! E isso que momentos antes todos viram Pluto circulando pelo local, o que em tese comprovaria a história de Rachel/Ruby… Grrrrrrrrrr!

A partir de então, seguindo a lógica tradicional dos slasher movies, sempre que os jovens se separam para fazer coisas cretinas (apesar da recomendação “Vamos ficar todos juntos“), Reaper ou Pluto aparecem para acabar violentamente com eles, no melhor estilo Sexta-Feira 13 – incluindo gargantas cortadas com facão e machadadas na cabeça. Claro que até lá rolam umas cenas gratuitas de sexo e nudez, com o casalzinho negro mandando ver no ônibus e Jane, namorada do falecido Harry, indo tomar banho de chuveiro – detalhe: ao ar livre, sem qualquer medo ou constrangimento de ser apanhada ou vista por alguém!!!!! Grrrrrrrr! Para sua sorte, Cass – que é a personagem normalmente chamada “final girl” (porque sobrevive até o fim) nos slasher movies – tem uma espécie de “sexto sentido“, que lhe permite ouvir os passos dos vilões a quilômetros de distância e até mesmo “sentir” a presença dos canibais nas redondezas. Porque, como todos nós sabemos, os cegos cinematográficos sempre têm os sentidos muito ampliados – neste caso, Cass chega a dar um baile no Demolidor dos quadrinhos, e podia muito bem vestir um colante vermelho e sair combatendo o crime. O problema é que este tal sexto sentido funciona muito bem… MENOS quando o roteiro quer criar cenas precárias de suspense e “susto gratuito“. Num momento, por exemplo, Cass está no interior de um casebre quando Reaper salta por um buraco no telhado… e a ceguinha, com sua audição extremamente sensível, não conseguiu escutar os passos do gigantesco Reaper no zinco do telhado!!!! Grrrrrrrrr! Pelo menos, se serve de consolo, a “final girl” do filme NÃO é virgem, o que contraria o clichê mais tradicional do gênero – mas não se assanhe porque a gatinha Tamara Stafford, ao contrário de suas colegas de elenco, NÃO mostra seus, hã, “atributos carnais” em cena…

Com tamanha burrice dos personagens humanos da trama, tanto do lado dos “heróis” como dos vilões, a criatura mais inteligente do filme acaba sendo o pastor-alemão Beast, que, além de ter um flashback (hahahahaha), ainda demonstra consciência suficiente para lembrar-se de Pluto (mesmo oito anos depois dos eventos do original) e querer vingar-se do canibal. O “acerto de contas” entre o cão e Pluto é uma daquelas cenas tão cretinas que ficam no limite do trash – tipo, você vê aquilo, porém não consegue acreditar que realmente está acontecendo – o que nos leva a imaginar que, se o cão não estivesse junto, provavelmente todos os jovens seriam mortos com a maior facilidade pelos vilões! Quando o número de humanos diminui rapidamente, graças aos ataques-surpresa dos vilões, sobra para Roy e Cass a tarefa de combater Pluto e Reaper nos escuros túneis da mina abandonada – que, de certa forma, lembra a caverna onde se escondem os canibais de O Massacre da Serra Elétrica 2 (feito no ano seguinte, em 1986), incluindo dezenas de cadáveres e pedaços mutilados de corpos espalhados. Aparentemente, aquele ponto do deserto é visitado por dezenas de pessoas toda semana, para justificar a quantidade de cadáveres despedaçados na mina… hehehehehe

Como o leitor deve ter percebido, Quadrilha de Sádicos 2 é muito, mas muito ruim. Daquelas seqüências que, como o anteriormente citado O Massacre da Serra Elétrica 2, e também muitas outras (O Exorcista 2, Piranha 2, O Cemitério Maldito 2…), são uma mancha no currículo de seus realizadores, pervertendo e destruindo um excelente filme original com uma continuação caça-níqueis e sem propósito. No caso de Wes Craven, isso é ainda mais notável pelo fato de ele ser também o diretor do primeiro capítulo; e, portanto, deveria mostrar pelos menos um pouco de respeito com a própria obra. A única forma de encarar Quadrilha de Sádicos 2 é como comédia – e, de preferência, esquecendo completamente que estamos vendo uma sequência de uma excelente produção dos anos 70. Pois no intervalo de oito anos em que Craven dirigiu os dois filmes, ele parece ter desaprendido tudo o que sabia: enquanto o original era violento e tinha um clima de tensão e suspense quase insuportável, esta Parte 2 não passa do convencional. A falta de história é tamanha que o tempo de duração não chega nem aos 85 minutos. Graças a Deus!!!

Se o diretor colocasse uma máscara de hóquei em Pluto, Quadrilha de Sádicos 2 poderia muito bem ser lançado como uma seqüência de Sexta-Feira 13 – até tem a música muito parecida com a desta franquia, já que o compositor da trilha sonora é o mesmo, Harry Manfredini. Em alguns momentos, quando Manfredini usa seus maneirismos habituais (tipo o “tchi tchi tchi” na música), o espectador chega a esperar que Jason pule de trás de uma moita para ajudar a matar os personagens bobalhões! Aliás, Quadrilha de Sádicos 2 foi uma espécie de treino para alguns participantes de sequências posteriores da franquia Sexta-Feira 13: Kane Hodder, que aqui foi apenas um mero dublê, logo se transformaria no “intérprete” de Jason Voorhees em quatro episódios da série (partes 7, 8, 9 e 10); e Kevin Spirtas, que sobreviveu aos ataques de Pluto e Reaper neste filme, aprendeu o suficiente para escapar também do próprio Jason como mocinho de Sexta-Feira 13 Parte 7. Mas, pior ainda do que na série estrelada por Jason, em Quadrilha de Sádicos 2 as mortes e supostas “cenas de suspense” são todas previsíveis. É alguém sair sozinho para você saber que ele já pode ser considerado morto; é alguém abrir um armário para você saber que dali de dentro vai cair algum cadáver; é parecer que tudo acabou para vir aquele tradicional “último susto“… Se no primeiro, quando a família canibal estava completa, era difícil matar as vítimas no deserto, de uma hora para a outra tudo virou moleza: os vilões são apenas dois, só que onipresentes, estão em todos os lugares ao mesmo tempo, sendo capazes de matar um personagem lá longe, nas colinas, e no minuto seguinte fazerem barulho do lado de fora da casa onde os outros estão escondidos. Ou então ficarem horas debaixo de um ônibus só para agarrar a perna de um desavisado que deu o azar de passar por ali bem naquele momento!!! Sentiu o drama?

Enfim, esta é uma produção extremamente convencional, onde nem mesmo o trabalho de Craven como diretor de cenas de horror se salva. Todas as cenas de violência já foram vistas antes – e melhor – em slashers tipo as séries Sexta-Feira 13 e Halloween, sem contar suas infinitas imitações. E, afora uma garganta cortada que jorra sangue, quase todas as mortes são off-screen, apenas vemos os cadáveres caindo do teto ou de dentro de armários nas cenas posteriores. Piorando ainda mais o conjunto da obra, Craven, neste filme, utiliza de maneira insuportável aquela sua velha obsessão por armadilhas caseiras. Lembra que em Last House on the Left o médico fazia armadilhas para pegar os assassinos da filha? Que no Quadrilha de Sádicos original os Carter faziam uma armadilha para pegar Júpiter? E que até em A Hora do Pesadelo Nancy preparava algumas armadilhas contra Freddy Krueger??? Pois neste Quadrilha de Sádicos 2 Craven abusa tanto do recurso que começo a achar que o homem tem alguma tara ou fantasia sexual por armadilhas (será que ele se excita ao cair em armadilhas?). Tanto vilões quanto heróis passam o tempo inteiro fazendo armadilhas para pegar uns aos outros. Eu não duvido que Chris Columbus tenha se inspirado em Quadrilha de Sádicos 2 ao dirigir Esqueceram de Mim… Se bem que a tática, em certos momentos, lembra mais os velhos desenhos do Papa-Léguas (Reaper e Pluto devem ser grandes clientes das Indústrias Acme, pois simplesmente encheram o deserto de armadilhas!). Pior: com toda aquela imensidão de areia e colinas para perambular, os personagens sempre conseguem pisar BEM NO LOCAL em que os vilões colocaram as armadilhas!!!!! Grrrrrr!

Se é extremamente ruim no seu desenvolvimento, Quadrilha de Sádicos 2 consegue ser ainda pior na conclusão, onde um dos personagens centrais (Rachel/Ruby) é simplesmente “esquecido” sem que o roteiro se preocupe em explicar se ela está viva ou morta. Em sua última aparição em cena, a garota cai, bate com a cabeça em uma pedra e apaga (desmaiou? morreu?). E, a partir de então, desaparece da trama sem que seu nome seja novamente citado. Na novelização do roteiro, lançada como livro nos EUA, descobrimos que Rachel/Ruby morre empalada ao cair num poço cheio de estacas de madeira (sim, mais uma armadilha dos canibais…). Como tal cena não existe no filme (se é que foi filmada…), o roteiro simplesmente deixa nas mãos do espectador decidir se Rachel/Ruby morreu ou se vai acordar a qualquer momento e sair vivinha para continuar sua vida ao lado de Bobby e, agora sim, nunca mais voltar ao deserto. Considerando a importância da personagem (que inclusive veio do filme original), é surpreendente o descaso desta continuação com o seu destino… E olhe que este é só mais um dos muitos problemas de Quadrilha de Sádicos 2!

A quantidade de furos no roteiro é imensa. Por exemplo: o que Pluto e Reaper ficaram fazendo no deserto nos oito anos que separam Quadrilha de Sádicos da sua Parte 2? É inadmissível que, após o retorno dos Carter à civilização, no final do original, policiais ou mesmo militares não tenham revirado aquela parte do deserto em busca dos criminosos. E mais: o que aconteceu com a matriarca da família, que sobreviveu à Parte 1, mas cuja existência nem ao menos é mencionada neste segundo filme? E o que o próprio Bobby Carter ficou fazendo nestes oito anos entre o original e a sequência? Quando o filme começa, ele é mostrado como um rapaz traumatizado que conta sua história a um psiquiatra. Como parece estar contando a história do seu trauma pela primeira vez, será que Bobby esperou OITO ANOS para ir ao psiquiatra? Ou estará contando a mesma história pela milésima vez ao pobre especialista? Argh! O roteiro simplesmente não tem lógica!!! Os personagens passam o tempo inteiro realizando atos que jamais fariam na vida real, como na cena em que Foster, logo após transar com Sue, vai espiar Jane tomando banho (!!!). Pois o taradão é apanhado no flagra por Sue, a mocinha sai correndo pelo deserto (alheia ao perigo, obviamente), e Foster começa a persegui-la… DE ÔNIBUS!!! hahahahahaha. E por falar em ônibus: por que é que os personagens simplesmente não pegam suas motos e fogem dali quando descobrem que o ônibus está imprestável e há canibais na região? Hmmmmm…

Até entendo o fato de Wes Craven escrever e dirigir um filme somente pelo dinheiro… mas será que não poderia fazer algo com um pouquinho mais de vontade e empenho, pelo menos? O que parece é que todos os acertos de Craven em Quadrilha de Sádicos foram um mero acidente, pois ele não repete nada daqueles acertos aqui nesta sequência. Todo aquele interessantíssimo contexto de “família boa” contra “família malvada“, e a necessidade das vítimas descerem ao nível dos seus agressores em defesa própria, desapareceu completamente da sequência, que transformou-se em um slasher movie igual a muitos outros feitos no período. E ruim, ainda por cima. Se nos EUA, pátria em que foi produzido, Quadrilha de Sádicos 2 já foi devidamente defenestrado (recentemente ganhou uma reedição em DVD pobre, com imagem ruim, por uma distribuidora furreca), nós, brasileiros, podemos esquecer qualquer possibilidade de ele sair por aqui tão cedo, já que está esquecido no país há mais de 20 anos. E, agora, só resta torcer para que o cineasta francês Alexandre Aja, que revitalizou (e melhorou) o Quadrilha de Sádicos original com um excelente remake, não caia na burrada de refilmar também Quadrilha de Sádicos 2! Certas coisas deveriam permanecer apodrecendo no deserto…

VIAGEM MALDITA (2006)

Título Original: The Hills Have Eyes 
Ano: 2006 • País: EUA
Direção: Alexandre Aja
Roteiro: Alexandre Aja, Grégory Levasseur
Elenco: Aaron Stanford, Adam Perrell, Billy Drago, Dan Byrd, Desmond Askew, Emilie de Ravin, Ezra Buzzington, Gregory Nicotero, Ivana Turchetto, Judith Jane Vallette, Kathleen Quinlan, Laura Ortiz, Maisie Camilleri Preziosi, Maxime Giffard, Michael Bailey Smith, Robert Joy, Ted Levine, Tom Bower, Vinessa Shaw
Produção: Marianne Maddalena, Peter Locke, Wes Craven
Fotografia: Maxime Alexandre
Trilha Sonora: Tomandandy

ANÁLISE

Dois filmes, duas épocas: Viagem Maldita é uma refilmagem contemporânea do clássico setentista Quadrilha de Sádicos, de Wes Craven, lançado em 1977. Remakes viraram uma febre (ou seria praga?) da recente produção cinematográfica americana, e a lista de obras modernas que tentaram dar um novo verniz a produções clássicas e/ou conhecidas do passado é interminável (de O Massacre da Serra Elétrica até A Profecia). Neste cenário, Viagem Maldita pode ser erroneamente comparado com uma refilmagem quadro a quadro do original. E muitas vezes parece exatamente isso, com algumas pequenas e bem-vindas alterações, mas basicamente mantendo a mesma estrutura de personagens e de roteiro. O interessante é que, mesmo sendo semelhante ao original, esta refilmagem representa perfeitamente como, em praticamente três décadas, pouco ou nada mudou.

Os tempos eram outros quando Craven filmou seu The Hills Have Eyes. Aliás, os anos 70 foram uma fonte inesgotável de ótimos, brutais e chocantes filmes de horror, baratos e cínicos, sérios e assustadores. Isso, dizem os entendidos em cinema, era um reflexo do fim da era do “paz e amor” dos hippies, um reflexo da desesperança dos cineastas americanos pelo seu próprio “american way of life“, uma espécie de resposta ensanguentada em celuloide para os sacos de cadáveres que voltavam do Vietnã, trazendo os corpos dos adolescentes mortos numa guerra medíocre; e tinha ainda a sujeira dos governantes (Caso Watergate, lembram?), os conflitos raciais, a crise de energia, a Guerra Fria… Como eu escrevi na minha crítica sobre Quadrilha de Sádicos, poucas vezes os filmes de horror foram tão assustadores quanto naquela década, pois nos anos 70 eles deixaram um pouco de lado os fantasmas e casas mal-assombradas para enfocar os horrores mais humanos – neste sentido, até os zumbis de Dawn of the Dead, de George A. Romero, assumiram uma postura crítica em relação à sociedade americana consumista e desprovida de sentimentos.

O que mudou 30 anos depois, quando o francês Alexandre Aja comandou seu remake rebatizado Viagem Maldita (argh!) no Brasil? Pouco ou nada: os Estados Unidos continuam recebendo seus jovens despedaçados em sacos de cadáveres (só mudou o país, do Vietnã para o Iraque); a desesperança em relação aos políticos está ainda mais acentuada, os conflitos raciais continuam e sofreram um upgrade pós-11 de setembro (imagine quem é árabe vivendo nos EUA nos dias atuais…), e por aí vai. Se o mundo mudou, foi para pior. Sendo assim, não havia o que mudar em Quadrilha de Sádicos: nesta nova versão, os personagens podem até ter carros mais modernos (com sistema de localização por GPS), roupas mais modernas e formas mais modernas de comunicação (como telefones celulares). Mas, destituídos de todas estas modernidades, e de outros elementos diretamente ligados à “civilização“, os personagens do “novo” The Hills Have Eyes tornam-se tão selvagens quanto os do “velho” The Hills Have Eyes, se não mais. Logo, o mundo mudou, mas o ser humano não. Acredite ou não, Viagem Maldita continua tão plausível no nosso “mundo moderno” quanto era lá atrás, nos anos 70.

Eu confesso que recebi a notícia de um remake de Quadrilha de Sádicos com certo ceticismo. Não que o original de Wes Craven esteja entre os meus filmes preferidos – embora eu goste muito, não incluo entre os meus clássicos de estimação. No Orkut, chamei o remake de “um atraso“, principalmente porque Quadrilha de Sádicos já havia inspirado dezenas de outras produções, de Canibal (um slasher obscuro dos anos 80) aos recentes Detour – Rota 666 e Pânico na Floresta. Para a nova geração, um remake da obra de Craven poderia até ser considerado mais uma cópia sem novidades do que vem sendo feito nos últimos anos. Só fiquei mais tranquilo ao ver o nome do francês Alexandre Aja, responsável pelo fantástico Alta Tensão (Haute Tension), no comando dessa refilmagem. Como o jovem diretor mostrou que entende de criar tensão e suspense em seu trabalho anterior, fiquei imaginando o que ele faria com Quadrilha de Sádicos, que era, basicamente, um filme tenso, mas não exatamente violento – até porque a violência do trabalho de Craven envelheceu mal, e perde feio para seu trabalho mais famoso e brutal, Last House on the Left, de 1972.

Para a minha surpresa, Aja, um jovem parisiense só um ano mais velho que eu conseguiu não apenas atingir novos níveis de tensão e de suspense, mas também quintuplicar a violência do original. Viagem Maldita é um banho de sangue, com cenas que farão a “geração-Pânico” se mijar de medo nos cinemas. Se o roteiro não tem novidades, a execução da proposta (e a execução dos personagens, hehehehe) é brilhante, comprovando porque Alexandre Aja é um dos nomes mais promissores da nova geração.

O remake começa com uma introdução inexistente no original. Letreiros informam que o deserto do Novo México foi o cenário de diversos testes nucleares realizados pelo governo americano entre 1945 e 1962, e que o próprio governo negava supostas mutações genéticas provocadas pela radiatividade. Em seguida, acompanhamos três técnicos, com roupas anti-radiação, realizando testes e medições de radiação numa área do deserto. A operação é interrompida quando um rapaz ensanguentado aparece gritando por ajuda; mas, antes que o trio possa ter qualquer reação, uma criatura que vemos apenas de relance massacra os três usando uma pontiaguda picareta – e o filme pega pesado desde o início, mostrando desde crânios atravessados até um sujeito que fica cravado na picareta e é erguido do solo, sendo arremessado em direção aos rochedos quase como um martelo humano! Terminado o “serviço“, o misterioso agressor sai de caminhonete, arrastando os quatro cadáveres mutilados amarrados no pára-choque do veículo! Somente mais tarde descobriremos que o assassino é Pluto, um dos mutantes canibais do clã que vive escondido naquele deserto. No original, para quem não lembra, Pluto ganhou a carranca de Michael Berryman, um ator naturalmente feioso; nesta nova versão, é interpretado por Michael Bailey Smith, coberto por uma pesada maquiagem.

Nos moldes de outro remake, Madrugada dos Mortos, os créditos iniciais de Viagem Maldita são uma colagem fantástica de imagens chocantes com uma música country lenta (não, desta vez não é Johnny Cash, mas sim Webb Pierce e sua “More and More“, onde canta: “Mais e mais nós esquecemos sobre o passado…“). Ao lado de imagens reais de documentários sobre testes nucleares, mostrando os efeitos explosivos da bomba atômica (lembrando também Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick), os créditos enfileiram fotos, reais e forjadas, de defeitos de nascença gerados não pela radiação, mas pelo uso de armas químicas (no caso, o Agente Laranja despejado pelos americanos durante a Guerra do Vietnã).Quando a história recomeça, o filme segue fielmente a trama de Quadrilha de Sádicos, do início até praticamente o fim. Um posto de gasolina vagabundo encravado no meio do deserto, gerenciado por um suspeito frentista (Tom Bower), é o pivô de todo o horror que se abaterá sobre os Carter, uma típica família americana de classe média que está cruzando os Estados Unidos de trailer, de San Diego para a Califórnia, comemorando o aniversário de casamento do patriarca, Big Bob (Ted Levine, que interpretou o psicopata Buffalo Bill em O Silêncio dos Inocentes), e sua esposa Ethel (Kathleen Quinlan, uma envelhecida musa dos anos 80). 

No carro e num trailer viajam os três filhos do casal, Bobby (Dan Byrd, de… cof, cof!, Mortuária), a bonita e chatinha Brenda (Emile de Ravin, da série Lost) e a mais velha, Lynn (Vinessa Shaw, que trabalhou com Kubrick em De Olhos Bem Fechados). Esta última está acompanhada do marido banana, Doug (Aaron Stanford, o Pyro da série X-Men, irreconhecível), e da filha bebê Catherine (Maisie Camilleri Preziosi). Ah sim: não dá para esquecer dos dois cachorros, chamados Beauty e Beast (Bela e Fera).

Como no original, Big Bob é um detetive da polícia aposentado, durão, casca-grossa e daquele tipo bem mandão com a esposa e a garotada. Os filhos não estão lá muito contentes em fazer a viagem de trailer, já que de avião seria muito mais rápido e não precisariam aguentar os “pavorosos” momentos em família, como pai cantando ao volante! No outro extremo, Doug é exatamente o oposto de Big Bob: um vendedor de celulares pacato, pau-mandado da esposa e humilhado em tempo integral pelo sogro. A parada da família no posto de gasolina assinala o triste destino do clã Carter, já que o frentista é cúmplice da Quadrilha de Sádicos (hehehehe) que vive no deserto, um grupo de mutantes e canibais gerados pelos testes nucleares na área. O modus operandi dos bandidos é sempre o mesmo: o frentista indica aos visitantes de passagem um suposto atalho pelo meio do deserto, na verdade uma armadilha, e os monstrengos atacam os viajantes, saqueando seus itens mais valiosos para o frentista, enquanto a carne dos cadáveres vira almoço para a turma. Escabroso, não?

E é claro que os Carter logo se tornam as próximas vítimas, quando Big Bob resolve tomar o tal atalho sem desconfiar de nada. O carro da família sofre um acidente, provocado por pontas de metal colocadas providencialmente no meio do caminho, bate num rochedo com os quatro pneus furados e fica fora de ação. Perdidos no meio do deserto, onde os celulares estão sem sinal e onde o rádio-amador do trailer não funciona, os pobres turistas se vêem obrigados a buscar ajuda. Big Bob decide caminhar de volta até o posto de gasolina e utilizar o carro do frentista para chamar um guincho; ao mesmo tempo, manda Doug caminhar para o outro lado da estrada, em busca de alguma casa ou fazenda. O patriarca ainda deixa o pequeno Bobby como responsável pelas mulheres da família, dando-lhe um revólver em mãos para “defender o trailer“. E, após uma reza em conjunto, os dois “homens” da família (Big Bob e Doug) seguem o seu caminho, deixando a área livre para o ataque das monstruosas aberrações que vivem nas colinas…

Numa cena inexistente no original, Doug caminha quilômetros até chegar no fim do “atalho“: uma enorme cratera repleta de carros e caminhonetes de diversos modelos e épocas, repletas de ferrugem e marcas de sangue; num plano fantástico, a câmera de Aja sobrevoa o local, mostrando a extensão do “cemitério de veículos” e o tamanho da encrenca em que a família está metida – no caso, a vastidão daquele maldito deserto. O resto é igualzinho ao filme de Craven. Um dos cães, Beauty, foge do trailer e vai para as colinas, sendo seguido por Bobby; quando o pirralho encontra o cachorro, ele está com o bucho aberto (embora Aja não utilize uma carcaça verdadeira de animal com as tripas de fora, como Craven fez em Quadrilha de Sádicos). Atordoado, na tentativa de voltar ao trailer, o garoto tropeça, cai e perde os sentidos, sendo observado por uma misteriosa figura que veste uma jaqueta vermelha com capuz – e que é Ruby (Laura Ortiz ), uma das integrantes do clã de mutantes, que, exatamente como sua contraparte no filme original, não está nem um pouco satisfeita com a vida no deserto e tenta mudar o cardápio de carne humana, pois, que meigo, tem dó das pobres pessoas normais…

Enquanto isso, o machão Big Bob chega ao posto de gasolina somente para descobrir que o frentista não era tão santo quanto parecia: no escritório do sujeito, além de dinheiro, cartões de crédito e aparelhos eletro-eletrônicos roubados dos outros turistas atacados pelos canibais, o policial aposentado encontra até uma orelha ensanguentada dentro de uma embalagem de hamburger. Arrependido de seus crimes (sabe-se lá porque), o frentista está bêbado e se lamentando no banheiro do lado de fora do posto. Antes de explodir os miolos com um tiro de escopeta, ele balbucia coisas sem sentido, do tipo “Você não entende o que está acontecendo por aqui… As crianças cresceram como animais selvagens… Eu fiz o melhor que pude!“. Mal o frentista se suicida, e Big Bob começa a ouvir estranhos ruídos nas proximidade. “Papai, papai!“, chama uma voz sinistra, e antes que o patriarca dos Carter consiga se defender, ele é agarrado pelo famoso Papai Júpiter (Billy Drago, o rei dos canastrões e eterno vilão de filmes B, que aqui infelizmente aparece pouco).

Nesta altura do campeonato, já estamos no final do primeiro ato de Viagem Maldita. Doug e Bobby voltam ao trailer, mas o garoto, para não preocupar a mãe e as irmãs, decide não contar nada sobre o cachorro estripado nas colinas. É um erro mortal, pois logo os canibais do deserto darão sua última cartada, atraindo a atenção da família de uma forma horrenda (ainda mais violenta que a encenada no filme de 1977) para poder invadir o trailer, estuprar, matar e sequestrar a pequena Catherine. Humilhados, feridos e horrorizados com tamanha covardia, os sobreviventes da família resolvem se reagrupar, primeiro para se defender, e em seguida para dar o troco. E então, como no filme de Craven, os civilizados se tornam tão bárbaros, cruéis e sanguinários quanto os selvagens. Mais até do que no original, Viagem Maldita enfoca de maneira bem clara a transformação daquelas pessoas pacíficas em assassinos frios, principalmente através do personagem Doug; durante todo o primeiro ato, ele é apresentado como um almofadinha que mal consegue discutir com a esposa Lynn e com o sogro; um capacho, em resumo. Odeia armas e violência (“Doug é democrata, ele não acredita em armas“, alfineta Big Bob); porém, quando vê sua família agredida e sua pequena filha raptada, Doug se transforma numa autêntica máquina de matar, tão sádica quanto os vilões. 

E isso fica evidente na cena em que ele ataca um dos mutantes, de surpresa, com um machado: não contente em torcer a lâmina nas costas do vilão, ao vê-lo caído Doug ainda pensa, por alguns rápidos segundos, na forma mais cruel para exterminá-lo, enfiando a face pontiaguda da lâmina diretamente no olho do infeliz! Ao trocar o golpe certeiro de machado por uma solução mais brutal e “criativa“, não estaria o “herói” descendo ao nível sanguinário dos “vilões“?

Aja aproveita esta transformação para tecer uma ferrenha crítica à sociedade norte-americana atual, crítica esta que nem sempre cai bem na proposta do filme. Em uma cena, por exemplo, uma bandeira dos Estados Unidos é utilizada com propósitos sangrentos (alguns críticos desavisados acharam que era uma postura patriótica do roteiro, quando na verdade é exatamente uma crítica!). Além disso, Aja apresenta a família de mutantes sanguinários como uma típica família americana, que vive numa velha cidade-fantasma projetada para os testes nucleares dos anos 50, com suas casas suburbanas repletas de manequins sorridentes. No auge da crítica à francesa de Aja, um dos mutantes, imobilizado numa cadeira-de-rodas com seu crânio absurdamente gigantesco, canta o hino nacional americano enquanto tenta justificar a violência dos seus semelhantes: “Vocês mandaram suas bombas e nos transformaram naquilo que somos!“. Evidentemente, este verniz “político” fica em segundo plano, e é uma pena que certos críticos influentes tenham se perdido ao levar em conta apenas tais aspectos do filme, sem analisar devidamente o resto – afinal, ainda estamos vendo uma história de horror, e não uma folheto de propaganda política.

A verdade é que, como filme de horror escancaradamente tenso e sangrento, Viagem Maldita é uma das melhores produções dos últimos anos; neste ano em particular, disputa o posto com O Albergue, de Eli Roth, e dificilmente alguma outra produção bancada por um grande estúdio vá tirar o lugar destes dois no ranking. Seguindo na linha de violência explícita e exagerada que Aja já havia adotado em Alta Tensão (recentemente lançado nas locadoras brasileiras, mas inédito nos nossos cinemas), Viagem Maldita começa devagar para logo atirar-se num interminável pesadelo sangrento. A cena do ataque ao trailer, que já era sanguinolenta no original de Craven, ficou mais longa e gráfica; já a resposta dos Carter contra seus agressores é o ponto alto da matança e da sangreira, com Doug assumindo uma postura heróica (inexistente em Quadrilha de Sádicos) e despachando violentamente vários dos canibais.

Lembro de uma resenha histórica do Quadrilha de Sádicos original, publicada naqueles velhos guias de vídeo da Nova Cultural, onde o crítico dizia que os atores do filme de Craven pareciam estar realmente sentindo medo nas cenas de suspense e violência. A mesma observação pode ser tranquilamente aplicada a Viagem Maldita: apesar de contar com alguns atores bem meia-boca, que a princípio parece que vão servir apenas de enfeite (como a australiana Emile de Ravin), quando o bicho pega todo mundo surpreende pelo nível de realismo das situações e interpretações, sem fazer feio em comparação ao original. Não duvido, inclusive, que os atores tenham saído realmente machucados ou arranhados de algumas cenas mais pesadas, como o ataque ao trailer ou o momento em que Doug toma uma surra daquelas de Pluto, sendo arremessado, como um boneco de pano, contra paredes, portas e janelas. 

Também contribui para a atmosfera de realismo o fato de Aja nunca “limpar” os seus personagens: quando eles começam a se sujar de sangue, ficam repletos de sangue seco e coagulado até o final, diferente do que normalmente acontece nos filmes do gênero – em que os heróis sempre encontram um tempinho para se limpar. A degradação física e psicológica de Doug, por exemplo, fica muito mais realista no momento que vemos aquele sujeito pacato ser cada vez mais banhado em sangue – o seu próprio e o dos outros -, até terminar praticamente tingido de vermelho, dos pés à cabeça. A maquiagem e os efeitos especiais ficaram a cargo da KNB, a empresa dos mestres Greg Nicotero (que faz uma ponta como um dos mutantes) e Howard Berger, o que já dá uma bela ideia do que esperar…

Como acontecia no filme de Craven, Viagem Maldita também se beneficia do fantástico cenário no deserto, quase um personagem à parte. As cenas foram feitas não no Deserto de Mojave, na Califórnia, onde o original de 77 foi filmado, mas sim em Marrocos (!!!), onde o sol causticante incomodou atores e equipe técnica. Em compensação, temos belíssimos planos gerais que dão uma ideia da terrível situação em que os personagens se encontram, perdidos no meio do nada, no que parece ser uma paisagem infinita de areia e desolação. Isso contribui para ressaltar a ideia de que, retirados violentamente da sua amada civilização (dos telefones, das delegacias de polícia, etc.), os personagens centrais se vêem obrigados a regredir a um estado quase primitivo, à altura de seus algozes. Ninguém vai ajudá-los no meio daquele deserto; eles mesmos terão que resolver a situação. Vale ressaltar, ainda, a participação marcante do cachorro Beast, que, como no original, manifesta um desejo de vingança tão intenso quando o dos protagonistas, matando ele próprio alguns dos mutantes.

Fã declarado do cinema de horror em geral, Alexandre Aja usa a receita certa para fazer deste remake uma produção memorável, mesmo que não-original. A trilha sonora, por exemplo, nunca se rende a pseudo-sucessos do hard rock moderninho para tentar atrair o público jovem; na verdade, na maior parte, a música é tensa, irritante, composta por alguns poucos sons abafados com acordes mais graves, acentuando a atmosfera de horror e de ameaça iminente. Aja também consegue incluir o que parecem referências explícitas a Inverno de Sangue em Veneza, de Nicolas Roeg (no fato de Ruby perambular pelo cenário com um capuz vermelho); Sob o Domínio do Medo, de Sam Peckinpah (na transformação do pacífico Doug em máquina de matar); e até uma auto-citação a Alta Tensão (quando um cadáver que não está “bem morto” acorda e respira fundo, dando um susto no personagem que se aproxima e no próprio espectador). 

Repare, ainda, numa cena muito, mas muito parecida com Amor à Queima-Roupa, de Tony Scott (roteiro de Quentin Tarantino, para quem não sabe), quando um ensanguentado Doug está de joelhos e “ameaça” Pluto com uma chave-de-fenda (lembrando a ensanguentada Patricia Arquette de joelhos e “ameaçando” James Gandolfini com um saca-rolhas no filme de Scott; até mesmo a forma como a cena se conclui é idêntica!). Tudo bem que Aja às vezes se rende a certos vícios de linguagem modernetes (câmera acelerada) e outros típicos do cinema de horror americano atual (como os sustos falsos e vultos que passam em primeiro plano na frente da câmera, seguidos de uma explosão da trilha sonora). Mas não é nada que comprometa este jovem talento, certamente um nome a acompanhar em meio a dezenas de videoclipeiros medíocres que surgiram nos últimos anos.

Por seguir fielmente o roteiro original de Wes Craven (reescrito por Aja e por Grégory Levasseur, parceiros também em Alta Tensão), Viagem Maldita pode até não ser tão surpreendente para quem já conhece o original – a ordem dos acontecimentos é idêntica e os mesmos personagens morrem, com uma pequena mudança na conclusão. Mesmo assim, por atualizar os níveis de tensão e violência gráfica, e por não render-se nunca às soluções fáceis dos remakes feitos recentemente, Viagem Maldita ganha muitos pontos, melhorando o que já era bom e, em muitos pontos, tornando-se bastante superior ao original (veja mais no texto seguinte). 

Arrisco-me até a dizer que supera, com folga, Quadrilha de Sádicos, entrando com louvor naquele panteão selecionadíssimo de refilmagens que conseguem ser melhores que os originais (onde também figuram A Bolha Assassina, O Enigma de Outro Mundo, A Mosca e alguns outros). O próprio Craven sentiu orgulho do remake, que mantém o clima sujo e rústico da obra de 1977, sem tentar atenuar a história grosseira e sua conclusão completamente amoral. Curto e grosso, é um filme pra macho, que muita gente vai odiar justamente pelos seus excessos.


RETORNO DOS MALDITOS (2007)

Título Original: The Hills Have Eyes II
Ano: 2007 • País: EUA
Direção: Martin Weisz
Roteiro: Wes Craven, Jonathan Craven
Produção: Wes Craven, Peter Locke, Marianne Maddalena
Elenco: Daniella Alonso, Jacob Vargas, Michael Bailey Smith, Cécile Breccia, Archie Kao, Jay Acovone, Jeff Kober, Philip Pavel, Lee Thompson Young, Eric Edelstein, Jessica Stroup, Ben Crowley

ANÁLISE

Viagem Maldita, de Alexandre Aja, não só foi um dos melhores filmes do gênero de 2006 como também pode ser considerado um dos melhores remakes de todos os tempos. Aja nos colocou contra a parede em uma história sobre instinto primitivo e sobrevivência: a empatia com as personagens principais nos fez com que torcêssemos por elas como raramente acontecia nas produções atuais.

O sucesso puxa bilheteria, que puxa dinheiro, que puxa a ganância dos produtores e – finalmente – puxa uma continuação feita às pressas. Não é a primeira vez que vemos isso acontecer e certamente não será a última.

Como já não adianta ficar reclamando então o melhor jeito de começar esta análise é olhar os históricos dos créditos de The Hills Have Eyes II (batizado de O Retorno dos Malditos no Brasil): o diretor Martin Weisz é um destruidor de remakes, apesar de que, até então, só tinha feito um, o filme 60 Segundos. No roteiro, Wes Craven e seu filho Jonathan Craven assinam a história, o que não é grande coisa se levarmos em consideração que ele não escreve um roteiro decente desde 1994 (em Um Novo Pesadelo). Já sentiram o drama? Enfim, a produção da continuação começa com uma conversa informal entre Wes Craven e o produtor Peter Locke (o mesmo de The Hills… 1, tanto o original quanto o remake). Na conversa, Craven divagava na possibilidade de que a personagem sobrevivente Brenda (interpretada em Viagem Maldita por Emilie de Ravin), traumatizada pelos eventos do filme anterior, entraria na Guarda Nacional como válvula de escape para o medo que sofreu.

Todavia já no começo de seu treinamento básico, Brenda receberia um chamado do seu sargento para retornar ao deserto do Novo México para dar cabo dos mutantes remanescentes, pois apenas ela saberia dizer a localização dos monstros da colina. 

Devido aos conflitos de agenda de Emile com o seriado Lost, esse devaneio de Craven não pode ser concretizado (Amém!), só que a ideia básica foi mantida. Como Alexandre Aja sabiamente não quis nem saber da continuação, a primeira escolha de Wes foi Michael J. Bassett (de Guerreiros do Inferno e do excelente Os Selvagens), mas também devido a conflitos de agenda (como essa desculpa é boa!) a vaga ficou com Weisz. No verão de 2006 as filmagens ocorreram em Marrocos, nas mesmas locações de Viagem Maldita, e, já, em 12 de dezembro de 2006, pinta o primeiro teaser trailer na Internet. A divulgação prossegue até 23 de março quando o filme estreia, tendo como resultado uma tremenda decepção para quem esperava algo no nível do anterior, que não lembra nem de longe, o espetáculo de tensão que Alexandre Aja nos fez sofrer. O filme abre com uma cena de parto, em que o sofrimento habitual da futura mãe é somada com o ambiente sujo e cruel que cerca, o que seria o momento do início de uma vida. Porém esta vida que começa é a de um novo mutantezinho e, após a concepção, a mulher é violentamente assassinada.

Dois anos após os eventos de Viagem Maldita, os militares, por algum motivo desconhecido (e provavelmente ridículo), decidiram reativar aquelas casinhas cheias de bonecos para simulação de bombas. O trabalho está indo conforme o planejado até que as aberrações aparecem e matam todos os trabalhadores do local.

Corta para uma cena de guerra, onde tiros são disparados e soldados correm feito doidos. Ué? Estamos assistindo O Retorno dos Malditos ou Falcão Negro em Perigo? Não há engano algum, acontece que são recrutas fazendo uma simulação em uma área no deserto, fracassando terrivelmente. Devidamente esculachados pelo sargento Jeffrey Millstone (Flex Alexander – de Serpentes a Bordo -, que está tão entrosado aqui como se tivessem contratado Damon Wayans para o papel), eles seguem para o Setor 16 - o nome da área militar ultra-secreta onde os trabalhadores foram mortos – a fim de entregar alguns equipamentos.

Ah, sim. Eu sei que eles não merecem, mas vou apresentar os soldados que estão marcados para virar carne de açougue: além do sargento, há o “Sr. politicamente correto” Napoleon (Michael McMillian), a “muito-gata-pra-ser-soldado” Amber (Jessica Stroup), a recruta mãe Missy (Daniella Alonso, de Wrong Turn 2), o esquentadinho Crank (Jacob Vargas de O Mistério da Libélula e Traffic), o gordinho cagão Spitter (Eric Edelstein), o matador Delmar (Lee Thompson) e os que só servem para a contagem de cadáveres Mickey (Reshad Strik) e Stump (Ben Crowley). Exatamente, são seis homens e apenas duas mulheres! Um mundo machista esse do exército…

A equipe chega ao acampamento militar e não encontra ninguém, os rádios não funcionam devido a alta interferência das colinas, apenas um pequeno comunicador encontrado dá sinal com uma voz distante pedindo ajuda. A equipe acredita que se trata do chefe da base, o coronel Redding (Jeff Kober de A Última Viagem e O Preço da Ambição), e monta uma grupo de busca e resgate para verificar se a teoria procede. Todos vão, exceto Napoleon que vai proteger o banheiro químico – pois o sargento não vai com a cara dele – e Amber que ficará tentando algum contato no radio. Durante a caminhada Mickey quase cai em um túnel das minas e torce o tornozelo, por isso acaba também voltando para o acampamento.

Na cena seguinte Napoleon resolve fazer o “número 2” no banheiro químico e encontra um homem vivo dentro do “cagador“! Ahn? Como o homem coube ali? Isso que e viver na merda, hahaha… Antes de morrer de infecção generalizada o homem deixa implícito que foi obra dos mutantes, ou seja, os habitantes das colinas viraram torturadores e espiões também, porque como se não bastasse ateiam fogo ao caminhão de transporte e roubam os rifles de Napoleon e Amber sem que os idiotas percebam! Amber corre para avisar o grupo principal, mas o primeiro mutante aparece e tenta capturá-la sendo ferido a bala por Mickey, que estava chegando ao acampamento. O mutante foge por um dos inúmeros túneis que cercam a colina, enquanto Mickey morre tragado por um outro buraco.

Mais à frente, na equipe principal, um outro mutante a ataca com pedradas, mas Spitter, tentando acertá-lo com o rifle, fere mortalmente o sargento, ao passo que Amber e Napoleon se unem ao grupo. Missy destoa do grupo e é capturada por um antagonista com intentos de procriação, como na abertura.

E é basicamente isso. A história continua com os clichês excessivos que colocam os que sobraram da equipe dentro das minas para salvar Missy, porém os manjados conflitos internos colocam tudo a perder. A certa altura pinta um mutante extremamente bonzinho e uma placa de sobreviventes no pescoço de Napoleon, Amber e Missy. Não há surpresas, não ha reviravoltas e ao final concluímos que o filme definitivamente não tinha razão legítima de existir.

Como se a história já não fosse furada o suficiente, os diálogos drenam qualquer característica emocional que poderíamos ter com os recrutas. Os dois Craven’s no roteiro desenvolveram personagens unidimensionais de personalidade rasa e exagerada – enchendo as falas com palavrões e trocadilhos -; a única tentativa de humanizar uma personagem principal (com o vídeo do filho de Missy em seu celular) soa falso e falha miseravelmente. Nem parece o Wes Craven que um dia escreveu A Hora do Pesadelo e Last House on the Left.

Ah, mas temos o elenco. E que elenco! Corresponde certinho com a proposta do filme. Nenhum deles transmite a menor comoção ou senso de coletividade, não há um destaque positivo, até nos vilões que são apenas feios e mais nada. O único sentimento que me passou foi indiferença: você não os odeia, nem gosta deles, simplesmente você não se importa e deixa as coisas rolarem.

Quer ver violência? Assista ao trailer de John Rambo, em que os três minutos da prévia têm o dobro de violência de O Retorno dos Malditos inteiro. O início chega até ser um pouco mais forte, todavia conforme a ação se desenrola o nível cai drasticamente. Existem apenas cenas que nos estimulam mais pela nojeira e repulsa gráfica do que exatamente pelo teor chocante.

Por conta disso o suspense é muito restrito – praticamente nulo. Não há mais as armadilhas ou transmissão de sofrimento, os mutantes fazem confrontos diretos com uma ou outra sabotagem e os soldados possuem rifles como armas, o que não é nem um pouco amedrontador. Mesmo no ambiente claustrofóbico dos túneis, os sustos não passam na maioria dos odiáveis saltos na música.

Existem sim alguns pontos positivos e são quase todos situados na introdução até vermos os recrutas, além da maquiagem bem desenvolvida por Greg Nicotero, sendo que o maior defeito fica justamente na comparação com seu antecessor: pois a direção de Martin Weisz não fez mais do que um slasherzinho capenga (ou um filme de ação medíocre, para dizer mais apropriadamente) no nível dos que infestam as locadoras todas as semanas.

Se existe um lado bom nesta continuação é que não tentaram refilmar The Hills Have Eyes – Parte II original que também é uma continuação apressada do sucesso anterior e conseguiu causar um desastre maior; pelo menos este bagaço não conseguiu macular a obra de Alexandre Aja.

Para fechar, como o filme custou 15 milhões de dólares e, apesar das péssimas críticas, rendeu mais de 36 milhões. Logo, não é de se admirar que os malditos possam retornar mais uma vez. Neste caso a pergunta fundamental a se fazer é: quem eles tentarão enganar agora?

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