Resolvi desatar um nó na cabeça do cinéfilo curioso. Existem dois filmes do mesmo gênero, no mesmo ano, com mesmo nome (nacional) e mesmo ator. A diferença fica a cargo do artigo.
O CONDE DRÁCULA
1970 / Espanha, Alemanha Ocidental, Itália, Liechtenstein / 98 min / Direção: Jesús Franco / Roteiro: Jesús Franco, Augusto Finocchi, Harry Alan Towers (baseado na obra de Bram Stoker) / Produção: Harry Alan Towers, Arturo Marcos (Produtor Executivo) / Elenco: Christopher Lee, Klaus Kinski, Herbert Lom, Soledad Miranda, Maria Rohm, Fred Williams
Fico imaginando como seria essa obra se Franco tivesse mais grana para realizá-la. Porque nitidamente é um filme de baixíssimo orçamento, mas o roteiro tenta se atentar tal qual a obra escrita, trazendo todos os personagens clássicos e Christopher Lee como o conde, que apesar de ter vivido o desmorto em sete filmes da Hammer, essa é sua caracterização mais próxima de como ele foi retratado no livro de Stoker, deixando de lado todo o exagero e a forma caricata do vampiro mor do estúdio inglês.
Tá certo que algumas cenas são fracas, como, por exemplo, o ataque dos animais empalhados, ou então aquele morcego tosco demais que dá uns rasantes às vezes para lá e para cá, os erros crassos de continuidade, cenas noturnas filmadas à luz do dia (como a Hammer fazia MUITO), as atuações bisonhas de todo o elenco de apoio, o bigodón de Christopher Lee e todos os problemas oriundos da deficiência orçamentária gigantesca, que claramente vão aumentando conforme o filme vai chegando em seu clímax e a grana vai acabando. Há também fatores que auxiliam o status trasheira da produção, que além da direção de Jess Franco, tem Harry Alan Towers na produção e o truqueiro Bruno Mattei na edição.
Mas não fique desiludido, porque a sinfonia de horror de Jess Franco é um deleite para os fãs, apesar dos apesares. Christopher Lee kick asses. Quando ele aparece pela primeira vez como Conde Drácula efetivamente (não parecendo um lutador de Mortal Kombat quando faz às vezes do cocheiro levando Jonathan Harker para o castelo e perseguido por pastores alemães que deveriam ser lobos), está absolutamente igual ao escrito por Stoker: velho, com cabelos e bigode brancos, decadente porém sem perder ar aristocrático, com seu vozeirão grave, e ar sinistro. Todos os elementos principais do livro estão lá, naquela mesma história que já estamos cansados de conhecer:
Harker vai até a Transilvânia para encontrar o Conde Drácula, que está interessado em adquirir propriedades em Londres; todos pelas redondezas são supersticiosos e amedrontados pela figura do vampiro; há as três rameiras do inferno que moram com Drácula no castelo e gostam de se alimentar de bebês; o Conde viaja até Londres levando consigo seu caixão com a terra natal; Mina está preocupada com o noivo; Lucy é atacada por Drácula; Van Helsing é chamado para ajudar (detalhes que é um dos caçadores de vampiro mais ineficientes da história das adaptações de Drácula); e há o pirado Renfield, comendo insetos, trancafiado em uma sala acolchoada, e por aí vai. Detalhe que Renfield é interpretado pelo excelente Klaus Kinski, que faria o papel do próprio Drácula em Nosferatu – O Vampiro da Noite de Werner Herzog.
Acontece também que Conde Drácula é um filme sóbrio, se pegarmos aqui a filmografia de Franco, tanto em seus exemplares do euro trash quanto seus pornôs softcore. Vejam só, até tem pouquíssima dose de sangue e sem nudez nenhuma (por incrível que pareça Soledad Miranda está vestida dos pés a cabeça o filme inteiro!!!!). Vincent Price também foi cogitado para fazer o papel de Van Helsing, mas não pode aceitar por motivos de saúde. Vale também salientar a ótima e soturna trilha sonora de Bruno Nicolai e a compreensão do texto de Stoker, que acaba sendo sobrepujada por todos aqueles detalhes que já citei que transformam o filme, senão numa bomba, mas em uma precariedade sem tamanho. Não que isso seja um problema para caras como eu, como vocês bem sabem se acompanham minhas postagens por aqui.
Conde Drácula pode não ser uma das maravilhas da sétima arte e nem do cinema de horror como um todo. Tampouco Jess Franco o maior diretor que já viveu. Mas pelo menos não é pretensioso .
CONDE DRÁCULA
1970 / Reino Unido / 96 min / Direção: Roy Ward Baker / Roteiro: John Elder / Produção: Aida Young / Elenco: Christopher Lee, Dennis Waterman, Jenny Hanley, Christopher Matthews, Patrick Troughton, Michael Ripper
Graças a genialidade dos responsáveis por dar e aprovar títulos nacionais aos filmes, Scars of Dracula, virou O Conde Drácula, e assim no mesmo ano de 1970 .
Em comum, apenas que ambos trazem Christopher Lee mais uma vez vestindo a capa e as presas, como o nefasto Conde Drácula. Nesta produção da Hammer, que traz Lee pela quinta vez reprisando o papel (pois antes de O Conde Drácula, ainda foi lançado O Sangue de Drácula no mesmo ano, mas como a minha lista é em ordem alfabética e não por data de lançamento, este post veio primeiro) que o consagrou no gênero, somos brindados com o mais violento e gore filme do vampiro do estúdio inglês. Também não é para menos, já que estamos começando a presenciar a decadência daquela que foi outrora a casa do horror.
Isso porque já no começo dos anos 70, o charme dos monstros do estúdio com toda sua aura gótica sobrenatural já havia entrado em baixa, isso sem contar que tanto a exploração da sexualidade feminina quanto a violência gráfica e o sangue vermelho vivo que marcou a Hammar, já havia sido superado por outras produções e novas formas de terror vindo principalmente do mercado americano, fazendo com que os súditos da Terra da Rainha tivessem de correr atrás.
E a melhor forma de enfrentar esse gap e tentar trazer o público de volta às salas de cinema, é ao invés de renovar a franquia com novas ideias, manter a mesma coisa de sempre, só que com muito, mas muito sangue. É por isso que O Conde Drácula é considerado o mais violento filme da série. A direção ficou por conta de Roy Ward Baker, que para a Hammer também dirigiu Sepultura para a Eternidade e já se meteu no universo vampiresco em Carmilla, a Vampira de Karnstein. O roteiro é assinado mais uma vez por Anthony Hinds, usando o costumeiro pseudônimo de John Elder, e o grande destaque fica para a maquiagem sanguinolenta da equipe supervisionada por Wally Schneiderman.
Christopher Lee faz um Drácula ruim como nunca aqui (no sentido de mal mesmo, cruel, e não de fraca atuação), que volta das cinzas após um morcego gigante (tosquíssimo, que o acompanha o filme todo, assim como outros, pendurados em um visível fio de nylon transparente e que até lembra o podre O Morcego Vampiro da década de 40, com Bela Lugosi) vomitar sangue em seu túmulo. Após a transubstanciação de cinzas para a forma “humana”, Drácula continuará a dar seu expediente de sugar o sangue de belas jovens e tocar o terror nos aldeões.
E logo no começo do filme ele já bota para quebrar, quando um grupo de homens locais, munidos de tochas e forcados (ah, vá?) vai até seu castelo para incendiá-lo, Drácula lidera telepaticamente um exército de vampiros que invade a igreja, onde as suas mulheres esperavam em segurança, e promovem um verdadeiro massacre, dilacerando seus rostos, olhos e etc. Hoje estamos acostumados a banhos de sangue sem noção, mas no início dos anos 70, aquela cena era extremamente chocante.
Passado algum tempo, um jovem conquistador e encrenqueiro chamado Paul Carslon (Christopher Matthews), ao fugir de policiais por ter transado com a filha do burgomestre, acidentalmente vai parar no castelo de Drácula. Lá, obviamente ele será morto, como acontece com todos os visitantes indesejados do vampiro mor. Seu irmão Simon (Dennis Watermann) e sua namorada, Sarah (Jenny Hanley) mas que também tem uma queda por Paul, preocupados com o sumiço do rapaz, resolvem investigar seu paradeiro e também vão deparar com o terrível Conde e seu ajudante desgranhento, Klove (interpretado pelo eterno Doctor Who, Patrick Troughton), que nutre uma paixão platônica pelo retrato de Sarah, que encontrou nos pertences de Paul.
Auxiliado pelo pároco local, Simon tentará destruir o desmorto de uma vez por todas, e ao mesmo tempo, impedi-lo de possuir sua amada e torna-la uma de suas rameiras do inferno, situação de roteiro básica da franquia. Entre as mortes e cenas deveras violentas presentes no longa, vale destacar a cena em que Drácula, emputecido por uma de suas concubinas vampiras tentar sugar o sangue de Paul, aparece e saca um punhal, esfaqueando a garota violentamente (desde quando Drácula usa armas brancas?), que depois, será mutilada (em off screen) por Klove, utilizando cutelos e serras, a fim de dissolver seu corpo no ácido, e também quando o padre é atacado por um morcego impiedoso que investe contra seu rosto, arrancando nacos de carne e deixando-o completamente desfigurado. Mais do mesmo, mas com um Christopher Lee afiadíssimo com toda sua expressão facial, movimentos de corpo, seus longos caninos e olhos vermelhos de fúria e uma boa dose de sangue fazem O Conde Drácula um dos melhores filmes da série, altamente recomendável para os fãs.
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