Burton Stephen Lancaster, conhecido como Burt Lancaster (Nova Iorque, 2 de novembro de 1913 – Los Angeles, 20 de outubro de 1994) foi um ator e produtor de cinema dos Estados Unidos.
Quando adolescente Burton Stephen Lancaster assistia filmes de seu grande ídolo Douglas Fairbanks. “A Marca do Zorro”, “O Ladrão de Bagdad” e principalmente “O Pirata Negro” foram as aventuras de Fairbanks que mais marcaram o menino novaiorquino. As proezas do atlético ator do cinema mudo faziam Burton se imaginar um dia praticando as mesmas acrobacias em filmes, sonho dividido com o de um dia ser cantor de ópera. Cinema era a principal diversão da garotada naqueles tempos, já o gosto pela ópera começou quando Burton ia à casa do amigo Nicola Cuccia e a senhora Cuccia, mãe de Nick, colocava discos de Enrico Caruso. Ouvindo o tenor os três chegavam às lágrimas, somente interrompidas na hora de comer a lazanha que dona Cuccia preparava. Nick e Burt (apelidos de Nicola e de Burton) tornaram-se inseparáveis, amigos de escola e na rua, onde Nick, apesar de seu diminuto tamanho era o terror do bairro. Nick botava para correr grandalhões duas vezes maiores que ele, moleques do tamanho de Burt que era alto também. Burt e Nick moravam numa região bastante violenta de Nova York, área ocupada por imigrantes de diversos países e pobre do garoto que vivendo naquele bairro não soubesse se defender. Muitos dos garotos pobres novaiorquinos tornavam-se marginais e os amigos Nick e Burt tiveram sorte de poder fazer outra opção de vida, no meio artístico.
A família Lancaster morava na 106 Street, residência onde no dia 2 de novembro de 1913 nasceu o menino Burton. Os Lancasters tinham um padrão de vida superior ao da vizinhança pois o pai de Burt, James Lancaster, trabalhava no escritório do Correio. A mãe de Burton era uma mulher autoritária e de temperamento forte, aspectos da personalidade que passaria para Burt, o mais novo dos quatro filhos do casal Lancaster. Aos 12 anos Burton conseguiu uma matrícula no Union Settlement Hall, um centro onde jovens praticavam esportes, estudavam Artes e atuavam em peças. Lá Burt começou a praticar ginástica, destacando-se pelo físico privilegiado que possuía. Após concluir o ensino básico Burt cursou a De Witt Clinton High School onde foi percebida sua habilidade atlética, notadamente no basquetebol e na ginástica.
Essas habilidades o ajudaram a ingressar na Universidade de Nova York onde cursou dois anos. Apesar de gostar muito de ler, devorando livros de todos os tipos, Burt sabia que não tinha vocação para os estudos, o que o fez desistir do curso para formar uma dupla de ginastas com o amigo Nick Cuccia que adotara o nome artístico ‘Nick Cravat’. A dupla queria trabalhar num grande circo, mas enquanto a oportunidade não se apresentava passaram a atuar nas ruas de Nova York fazendo acrobacias. A dupla se denominava ‘Lang & Cravat’ e depois de algum tempo passou a se exibir em teatros e circos. Foi num circo que Burt conheceu a também ginasta June Ernst, com quem se casou em 1935, aos 23 anos de idade, separando-se da moça um ano depois. A dupla Lang & Cravat continuou sua trajetória em busca da fama e melhor remuneração, mas sabiam que jamais chegariam ao Ringling Brothers Barnum and Bailey Circus que promovia o chamado ‘maior espetáculo da terra’. Quando se apresentava em St. Louis, em 1941, Burt Lancaster se feriu com certa gravidade na mão direita e foi obrigado a se afastar desse tipo de atividade. Pouco depois os Estados Unidos entraram na II Guerra Mundial.
Burt se alistou no Exército e suas qualidades de ginasta o transformaram num artista e não em soldado. Burt foi incluído no show itinerante “Stars and Gripes”, tendo se exibido para as tropas norte-americanas no Norte da África, na Itália e na Áustria. Numa série de apresentações para as tropas que estavam na Itália, Burt conheceu Norma Anderson, então soldado que atuava como dançarina do “Stars and Gripes”. Quando a Guerra terminou Burt, assim como muitos outros soldados, tentaram a carreira artística e com a experiência adquirida na “Stars in Gripes” Burt estava determinado a ser ator. Alto, com os cabelos castanhos claros, uma esplêndida voz, Burt conseguiu uma oportunidade numa peça chamada “A Sound of Hunting”, que seria encenada na Broadway em novembro de 1945. O ator Sam Levene fazia o papel principal e Burt era um coadjuvante, com o nome artístico Burton Lancaster. A peça teve apenas 23 apresentações, o suficiente para que descobridores de talentos percebessem que Burt possuía as qualidades que Hollywood exigia. Um total de sete ‘talent scouts’ fizeram contato com Burton Lancaster que podendo escolher optou por ter como agente um judeu baixinho chamado Harold Hecht.
O agente de Lancaster o apresentou a Hal Brent Wallis, que iniciava seu trabalho como produtor independente e com quem Burt assinou contrato de sete anos de duração. Wallis já tinha sob contrato a extraordinária Barbara Stanwyck e os jovens atores Wendell Corey, Lizabeth Scott e um feioso com um furo no queixo chamado Kirk Douglas. O contrato assinado com Hal B. Wallis dizia que o ator deveria fazer pelo menos dois filmes por ano para a produtora de Wallis, podendo também atuar em filmes produzidos por outros estúdios. Mark Hellinger era um jovem produtor que adquiriu os direitos do livro “Os Assassinos”, de Ernest Hemingway, e procurava um ator para interpretar o personagem Ole ‘Swede’ Andreson. Informaram a Hellinger que Hal B. Wallis tinha alguém ideal para o papel e Hellinger que já havia testado outros 30 atores, após o teste com Lancaster encerrou a procura. Hellinger havia achado o ‘Swede’ que buscava e que faria sua estreia no cinema com cenas de amor com uma jovem atriz de 23 anos chamada Ava Gardner. Mal sabia Hellinger que ambos se tornariam lendas do cinema. Lancaster confessou, anos depois, que durante as cenas de amor com Ava ele não pode conter sua ereção, o que o deixou terrivelmente embaraçado. Era o preço do noviciado de alguém que passara boa parte da vida como acrobata tendo de carregar Nick Cravat.
Impressionado com Burt Lancaster, Mark Hellinger pagou a Wallis para ter o ator no próximo filme que produziu, “Brutalidade”, dirigido por Jules Dassin, já conhecido por suas posições políticas de esquerda. Poucos atores norte-americanos tiveram início mais impressionante que Burt Lancaster, liderando os elencos de dois filmes importantíssimos como “Os Assassinos” e “Brutalidade’. Hollywood e o mundo do cinema sabia que havia acabado de nascer um novo astro. Em meio a esses dois filmes, em 1946, Burt Lancaster se casou com Norma Anderson, a colega do “Stars and Gripes”. Surpreso com o sucesso de seu contratado, Hal B. Wallis o colocou no elenco de “O Filho da Pecadora” e em seguida em “Estranha Fascinação”, que marcou o primeiro encontro de Burt Lancaster com Kirk Douglas nas telas. Querendo aproveitar a fama de Lancaster, Wallis produziu em sequência “Uma Vida por um Fio” e “Zona Proibida", estrelados por seu contratado, enquanto Burt fazia outros filmes de sucesso como “Baixeza”. Atento a todos os detalhes na produção de um filme e vendo Hall B. Wallis ficar cada vez mais rico enquanto lhe pagava o mínimo possível, Burt Lancaster teve uma conversa séria com seu agente Harold Hecht.
Lancaster entendeu que era hora de passar a produzir filmes e juntamente com Harold Hecht formaram a Hecht-Lancaster. Para o primeiro filme que produziria, Burt Lancaster quis homenagear seu ídolo do passado Douglas Fairbanks, rodando o capa-e-espada “O Gavião e a Flecha”. Criou um personagem para o amigo Nick Cravat, com o qual reviveria acrobacias que faziam nas ruas e em circos em Nova York. Mas havia um problema: o que fazer com aquele terrível sotaque novaiorquino de Nick Cravat? Simples, ‘Piccolo’, o personagem de Cravat seria mudo. “O Gavião e a Flecha” fez enorme sucesso e Burt Lancaster passou para a condição de grande astro, não só pelas qualidades de intérprete dramático, mas também por sua rara habilidade como acrobata. E Lancaster precisava mesmo ganhar muito dinheiro pois a família não parava de aumentar. De 1948 a 1954 o casal Lancaster teve dois meninos e três meninas, sendo que Jimmy, o filho mais velho nasceu com problemas nos pés e William teve poliomielite. Com tudo isso a despesa com a prole era menor que aquilo que Norma gastava com bebidas pois se revelara alcoólatra em eterna batalha contra o vício.
Burt Lancaster fazia um filme atrás do outro e alguns eram grandes sucessos como “O Pirata Sangrento” e “A Um Passo da Eternidade”, sendo que este último lhe valeu a primeira indicação para o Oscar de Melhor Ator. Com menos de dez anos de carreira Lancaster era um dos mais importantes nomes de Hollywood, não só por sua condição de excepcional ator, mas também por ser um bem sucedido produtor, o que Hollywood nunca havia visto antes, um astro ser ator-produtor. Sucessos de público como “Vera Cruz” e “Trapézio” eram mesclados com êxitos artísticos como “Marty” (também sucesso comercial), “Despedida de Solteiro” e “A Embriaguez do Sucesso”. O que não ia bem na vida de Lancaster era seu casamento com Norma, o que levou o ator a ter casos extraconjugais com a mexicana Katy Jurado e com Shelley Winters. A relação com Shelley foi bastante séria e por pouco Lancaster não abandonou a esposa para viver com a atriz de “Um Lugar ao Sol” e “Winchester 73”. Paralelamente a esses casos corriam insistentes boatos que Burt Lancaster mantinha uma amizade homossexual com Roland Kibee, roteirista de “O Pirata Sangrento” e “Vera Cruz”.
Parecia não haver limites para o sucesso de Burt Lancaster, já reconhecido como um dos mais talentosos atores do cinema e com sua produtora aparentemente cada vez mais forte. Só aparentemente. Lancaster decidiu que o produtor James Hill seria também sócio de sua produtora, surpreendendo inclusive a Harold Hecht. Com nova denominação, a Hecht-Hill-Lancaster produziu alguns filmes que fracassaram nas bilheterias, como “O Discípulo do Diabo” e “Amarga Solidão”, este último sem a participação de Lancaster como ator. “Vidas Separadas” não chegou a ser um fracasso comercial, mas acabou não se pagando. Além desses prejuízos, a Hecht-Hill-Lancaster mantinha um enorme escritório com mais de 40 funcionários e um grupo de seis roteiristas na folha de pagamento praticamente sem nada escrever. Havia até uma filial da HHL em Paris e a soma de tudo foi a falência da produtora, cujo último filme foi “O Passado Não Perdoa”, a pá de cal da Hecht-Hill-Lancaster. Mas se a produtora ia mal, o mesmo não ocorria com a amizade de Burt Lancaster e James Hill, voltando as publicações sensacionalistas a especular sobre outro caso homossexual de Lancaster, desta vez com o então marido de Rita Hayworth.
Livre das obrigações com a produtora, Burt Lancaster pode se dedicar mais intensamente à atividade de ator e a cada filme ele parecia se aperfeiçoar como intérprete, superando-se a cada atuação. “Entre Deus e o Pecado” e “O Homem de Alcatraz” renderam a Lancaster novas indicações ao Oscar, sendo premiado pelo primeiro filme e injustiçado no segundo, no qual teve um dos mais extraordinários desempenhos de um ator no cinema. Para atuar por alguns minutos em “Julgamento em Nuremberg” como um nazista, Burt Lancaster recebeu 750 mil dólares. Por bem menos que isso aceitou interpretar o Príncipe Don Fabrizio Salina em “O Leopardo”, dirigido pelo diretor Luchino Visconti, na Itália. Se Burt Lancaster comprovava a cada filme ser um dos maiores atores , por outro lado esses filmes não se tornavam sucesso de bilheteria, e isso mesmo voltando ao faroeste em “Nas Trilhas da Aventura”, de 1965. Mas no ano seguinte, com o western “Os Profissionais” Burt Lancaster voltou a saber o que é sucesso. E quatro anos depois, em 1970, se tornaria um milionário com “Aeroporto”, estrondoso êxito de bilheteria e no qual Lancaster teve participação de 10% nos lucros do filme. Quem assiste a “Nas Trilhas da Aventura” percebe um Burt Lancaster radiante e feliz e isso tem uma explicação. Nas locações dessa superprodução Lancaster conheceu a cabeleireira Jackie Bone que penteava a atriz Pamela Tiffin. Jackie conquistou o ator, então com 50 anos de idade.
No final da década de 60 ocorreram muitas manifestações sociais pelos direitos humanos, especialmente dos negros. Liberal por princípio e Democrata politicamente, Burt Lancaster associou seu nome a esses movimentos, ao lado de Marlon Brando, Paul Newman, Sidney Poitier, Harry Belafonte, Charlton Heston, James Garner e outros. Burt Lancaster era o que se pode chamar de homem culto e distante da ostentação da maioria dos astros de cinema, tinha na sua biblioteca e na coleção de obras de arte o seu maior orgulho. Quando sua situação conjugal se tornou insustentável e ele tomou a decisão de viver com Jackie Bone e ocorreu o divórcio de Norma Anderson. A ex-esposa recebeu dois milhões de dólares e valiosos quadros e esculturas de artistas ilustres. Mas a vida de Lancaster com Jackie Bone não foi nada fácil pois ele e sua companheira tinham constrangedores desentendimentos públicos, algo que não combinava com a personalidade de Lancaster. Mesmo assim viveram juntos por quase 20 anos.
Nos anos 70, o quase sexagenário Burt Lancaster atuou em quatro westerns: “Revanche Selvagem”, “Mato em Nome da Lei”, “Quando os Bravos se Encontram” e “A Vingança de Ulzana”, este o melhor deles. Esse sequência de westerns é algo impensável para um ator veterano e nenhum outro astro de sua geração seria capaz de tal proeza. Na década de 70 Lancaster atuou em filmes importantes como “Violência e Paixão”, de Luchino Visconti e “1900”, de Bernardo Bertolucci”, ao lado de outros filmes menos importantes que aparentemente contratavam Lancaster apenas para dar status à produção. O próximo grande trabalho de Burt Lancaster ocorreria em 1980, com “Atlantic City”, de Louis Malle, que valeu ao ator a quarta e última indicação para o Oscar. A esta altura de sua carreira o Oscar tinha menor importância para Lancaster que colecionava prêmios igualmente importantes mas menos comerciais. Entre estes merecem ser citados os prêmios de melhor ator “Golden Globe”, “Bafta” (duas vezes), “Festival de Berlim”, “Boston Film Society Critics Award”, “David de Donatello” e “Golden Boot Awards” este último entregue àqueles que engrandeceram o gênero western.
Em meio aos prêmios e reconhecimento do público e da crítica, Burt Lancaster teve uma alegria especial na sua vida pessoal quando em 1984 contratou como secretária Susie Scherer, de 42 anos. Lancaster afeiçoou-se a Susie de tal maneira que acabaram se casando com a bênção de filhos, genros e netos em 1990. Pouco antes do casamento, em 1988, Norma Anderson faleceu vítima de complicações hepáticas e Burt compareceu à cremação do corpo da ex-esposa. Nos anos 80 Burt Lancaster atuou em algumas séries de TV e em filmes feitos para exibição na TV. Entre os melhores filmes nos quais Burt Lancaster atuou nesses anos estão “Momento Inesquecível” e “Campo dos Sonhos”, além do tão elogiado quanto desconhecido western “Annie e os Bandidos” (Cattle Annie and Little Britches). Decepção foram o sexto e último encontro em filmes de Lancaster com o amigo Kirk Douglas, em “Os Últimos Durões”, e de certa forma “O Casal Osterman”, último filme de Sam Peckinpah. O último trabalho de Burt Lancaster foi a lado de Sidney Poitier no TV-movie “Separado, mas Iguais”, produzido em 1990. Vivendo uma espécie de aposentadoria ao lado da esposa Susie, Burt Lancaster sofreu um derrame cerebral em 1990. A saúde do ator foi deteriorando cada vez mais até que em 20 de outubro de 1994, quando estava em sua casa ao lado da esposa, Burt sofreu um ataque cardíaco, vindo a falecer. Nove meses antes havia morrido seu querido amigo de infância, adolescência e filmes, Nick Cravat. Com o falecimento de Burt Lancaster perdeu o cinema universal um de seus maiores atores como comprova o legado de interpretações memoráveis, algumas delas em westerns inesquecíveis.
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